Actores obligados a trabajar gratis para hacer teatro

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No hall das frases célebres do teatro brasileiro, há uma de Cacilda Becker (1921-1969): “Não me peça para dar de graça a única coisa que tenho para vender”. Ela teria pregado os dizeres no vidro da bilheteria, cansada de receber pedidos de cortesia para suas apresentações. Ainda assim, naquela época, os atores conseguiam pagar as contas com o cachê que recebiam das montagens. Hoje, a maioria não.
Cena comum: um produtor “amigo” liga para o ator “amigo” e diz estar com projeto aprovado na lei de incentivo e que o fulano “diretor da moda” aceitou tocar a empreitada. O detalhe é que ainda não conseguiu captar, mas está em vias de. Aí vem a frase típica: “Topa fazer por percentual de bilheteria? Se der certo, todo mundo ganha”. “Acontece que nunca dá certo e ninguém ganha”, afirma Magdalena Rodrigues, presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Artes Cênicas de Minas Gerais, o Sated-MG. Ai se Cacilda ouvisse isso.
É bem possível que dissesse não. “Aí aparecem 30 querendo um misto e uma Coca-cola”, brinca Magdalena. É triste para quem escolhe o ofício de ator, mas a realidade é essa. À medida que as contas da produção teatral se arrocham, o “contracheque” do intérprete é o primeiro alvo de cortes. Pior ainda para os atores, a matéria-prima do teatro: muita gente acha isso normal.
“Está inviável. Um dos motivos que me afastaram do teatro foi esse. É uma equação muito complicada. Trabalhar como atriz e não ter retorno financeiro”, desabafa a atriz Christiane Antuña, há cinco anos afastada dos palcos. Quando começou a fazer teatro em Belo Horizonte, recorda-se de um tempo em que o salário do elenco era garantido pela bilheteria, e o valor era satisfatório. A sensação que tem hoje é de que está piorando. Virou um constante recomeçar do zero.
“Todos os teatros são muito caros. Somente a bilheteria nunca vai conseguir pagar a diária do teatro. As contas não fecham”, diz Antuña. Quando um ator recebe a proposta de dividir o lucro da bilheteria, isso significa que, antes dele, estão na fila do pagamento, grosso modo, direito autoral (de 10% a 15%), aluguel do teatro (de 15% a 25%), Ecad, que corresponde ao direito autoral da trilha (2,5%), imposto (ISS, 2%), direção (cerca de 10%). O que sobra é rateado. É o chamado sistema de cotas.
Acontece que, diferentemente da remuneração do ator, que só diminui, as outras taxas aumentam. Para se ter uma ideia, a diária de aluguel do Teatro Santo Agostinho – com processo de seleção aberto – é de R$ 650. Já no Teatro Bradesco, a taxa mínima é de R$ 3,2 mil/dia ou 15% sobre o valor dos ingressos vendidos. Nessa conta, é preciso descontar o valor das meias-entradas.
“O ator não é obrigado a pagar o aluguel do teatro, o percentual da Sbat e receber um percentual do que sobra. Nós não admitimos pagamento de percentual sem garantia mínima. É a regra do sindicato. Agora, tem muita gente que aceita trabalhar sem regra”, lamenta Magdalena Rodrigues. Segundo ela, o Sated tenta reverter a situação, propondo acordos coletivos de trabalho.
Como a data-base da categoria é 1º de maio, o sindicato abriu a discussão da pauta de reivindicações para o triênio 2015/2017. A remuneração mínima por apresentação proposta para a categoria é de R$ 350 (espetáculo adulto) e R$ 280 (espetáculo infantil). “O problema é fazer os próprios artistas honrarem esse acordo”, afirma Magdalena. Ela diz acreditar que essa é uma questão de comportamento.

MATO SEM CACHORRO “É muito complicado. Como ator, eu diria que é injusto, porque os técnicos ganham fixo, e os atores dependem de bilheteria. Mas é difícil, porque, se a gente não fizer isso, não trabalha”, afirma o ator Jefferson de Medeiros. Ele termina hoje a temporada de Samba, suor e malandragem no Teatro da Cidade. Na edição 2015 da Campanha de Popularização do Teatro e da Dança, Medeiros esteve no elenco de outras três peças infantis O gato malhado e andorinha Sinhá, O casamento da ararinha azul e O gênio da lâmpada.
“Geralmente , a gente recebe porcentagem do lucro líquido”, conta. O valor depende daquilo que foi previamente acordado com a produção. E isso pode variar bastante, inclusive porque cada temporada depende das taxas pagas no teatro, assim como dos valores pagos a direitos autorais, trilha sonora, direção e, inclusive, de quantos atores fazem parte do elenco.
Jefferson de Medeiros confessa tristeza ao ver uma grande produção que conta com benefício das leis de incentivo, faz investimento em publicidade, tem cenários e figurinos de qualidade, conta com diretores bem pagos e técnica qualificada, mas os atores trabalham por porcentagem. “Poxa, tem alguma coisa errada nisso.” A informalidade é uma delas.
Muitas empresas da área de produção trabalham com contratos de prestação de serviço para seus elencos, mesmo que eles estipulem as tais cotas de participação do lucro líquido da bilheteria. No entanto, nessa área, é praxe o acordo no fio do bigode, sem contratos. Trata-se, no entanto, de um mercado que se diz profissional.
“É um comportamento de excessiva colaboração que prejudica a profissionalização”, afirma Magdalena Rodrigues.

ATORES SE TORNAM DUBLÊS DE PRODUTORES

Para viabilizar sua participação nos elencos garantindo uma remuneração adequada, intérpretes adotam a estratégia de também produzir as montagens em que atuam.
“O teatro hoje, se não for tudo junto e misturado, não tem jeito. Aquela estrutura departamentada acabou mesmo”, afirma a atriz Christiane Antuña, que assinou também a produção das últimas peças em que atuou. Antuña não é a única a achar que, para garantir a própria presença no palco, é preciso atuar em várias frentes. Para muita gente, é só assim que funciona.
Marco Amaral, responsável por produções como Meu tio é tia e Vida de busão não é mole não, e concorda que os atores acabam se desdobrando em outras funções para viabilizar o próprio trabalho artístico. No caso dele, para reduzir os custos das montagens e aumentar o cachê dos atores, passou a assinar a dramaturgia e a direção das peças. Na Marco Produções, o modelo vigente também é o de participação por cota. “Pago 10% do líquido. Faço isso sempre mantendo a média de 45% de bilheteria para o elenco”, afirma.
Mesmo atraindo grandes públicos para suas produções, Marco Amaral não é otimista em relação ao mercado teatral em Belo Horizonte. “Acho que está uma desqualificação total em tudo. Estamos passando por um processo em que qualquer um sobe no palco, qualquer um escreve, qualquer um produz. É só rodar as peças que você pode ver que os atores cospem texto. Não têm formação”, dispara.
Por se desempenhar tanto como artista quanto como produtor, Amaral observa os dois lados da equação e diz que a discussão sobre a remuneração é ampla. Ela envolve, inclusive, falta de comprometimento de alguns intérpretes. “O ator vira para você e fala que não pode ir, porque está fazendo outros bicos. É uma falta de ética muito grande”, reclama.
Para Amaral, é urgente uma aprofundada discussão sobre os caminhos para a profissionalização do mercado de teatro de Belo Horizonte. “Para a gente poder melhorar a nossa produção, porque há público, mas ele está diminuindo, e a receita está ficando vazia”, resume.

Palavra de especialista:

Rita Clemente, atriz e diretora: «Vivemos debruçados sobre planilhas’ Planilhas. Vivemos debruçados sobre planilhas e, nos intervalos, lemos alguma coisa que nos alimente a alma! É espantoso, mas real. Ok, estamos aprendendo a lidar com isso em razão da necessidade de criar e de viver do que se cria. Os livros crescem, em pilhas, ao lado do computador, pedindo para ser lidos, mas o edital tem dia para fechar, portanto, tem precedência. Nele, constam vários profissionais que deveriam ser pagos dignamente, entre os quais, os atores: que trabalham durante a montagem e depois dela. Os atores deverão garantir, ou não, a qualidade da obra e, sem eles, o encontro com o público não existiria».
Eugenio Barba, em Carta ao ator D, sugere o nível de importância do ofício quando encarado numa sala de ensaio: “Sejam quais foram as motivações pessoais que o trouxeram ao teatro, agora que você exerce esta profissão, você deve encontrar um sentido que vá além de sua pessoa, que o confronte socialmente com os outros”. Pois bem, mesmo considerando diferenças culturais e ideológicas em relação ao enunciado deste importante pesquisador, a demanda pessoal e profissional de um ator não é comum, ou fácil, ou superficial. Em qualquer categoria ou forma de teatro, é uma função, no mínimo, trabalhosa. O grau de aprofundamento depende de cada artista, é claro, mas, é óbvio, os atores se confrontam consigo mesmos, com a criação da obra e com a plateia.
Deles são cobradas reentrâncias no significado de cada texto, cada gesto, cada encontro com o público… Os intérpretes trabalham muito e muito lhes é pedido. Hoje ainda mais, pois costumam ir além da função de intérpretes e, em muitas obras, são coautores. Sobre isso não há duvidas: deveriam ser mais valorizados em sua remuneração. Mas são números numa planilha. Fazem parte da rubrica a ser readequada, constam no planejamento de cortes financeiros. E o mais surpreendente de tudo isso é reparar que, ainda assim, muitos querem ser atores. Muitos! Não quero sequer considerar que buscam o teatro por algum desejo de fama, estariam equivocados, considero aqui muito mais a força e o significado arquetípico do ator para o teatro.
E não é à toa que alguns se juntam em grupos para dividirem o ônus e o bônus de suas empreitadas artísticas; outros se dividem entre atuar, dirigir e produzir seus próprios trabalhos de forma a terem condições dignas de criar, de exercer seu ofício. Uma das qualidades que vejo nos jovens atores de Belo Horizonte é esta compreensão e coragem de produzirem suas ideias. Talvez nosso próximo passo, para fortalecer tanto a profissão quanto o mercado, seja o da valorização da produção local sem preconceito e sem corporativismo, encarando o mercado como algo diverso, sem dividir as forças. Sim, mercado forte é aquele que tem de tudo.

Estado de Minas

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