Bares, bohemia y arte en Río

1.568

Em livro, dupla de jornalistas faz viagem pela história dos botequins cariocas

Botequim (ou bar, enfim) não é só o lugar onde se bebe e come. “No Rio, os botequins têm relação com a cultura da cidade. São lugares de resistência. Vê só os sambistas no Bip Bip (bar de Copacabana), ou botequins que resistem ao tempo, como o Lamas (do Flamengo) e o Bar Luiz (da Rua da Carioca)”, enumera o jornalista Zé Octávio Sebadelhe, que divide com o colega Paulo Thiago de Mello o livro ‘Memória Afetiva do Botequim Carioca’ (Ed. José Olympio, 260 págs., R$ 65), lançado hoje na Livraria da Travessa de Ipanema, às 19h.

Mais do que tudo, a dupla — indo das primeiras boticas, tendinhas e quiosques instalados na cidade, numa viagem que remonta aos antigos traços portugueses no Rio — diz ter entrado numa máquina do tempo que exibiu as mudanças na cidade e em suas diversões. “Nosso livro é sobre a boemia carioca e suas histórias. Você pode identificar uma cultura local pelas suas formas de lazer, e também sua história. Depois do prefeito Pereira Passos (1902-1906), a cidade passa a ter um Centro, e tudo ali irradia”, diz Paulo, colocando a região central e suas adjacências como protagonistas na memória dos bares do Rio. “Como o Zicartola (ativo no Centro nos anos 1960), em que o Cartola reapareceu ao lado de sua mulher Dona Zica, e ainda trouxe de volta todos os sambistas dos morros, que estavam desaparecidos após o sucesso do samba no rádio dos anos 1920, 1930. Paulinho da Viola começou sua carreira lá”, completa Paulo.

Na Zona Sul sessentista ficaram famosos bares de Ipanema como o Mau Cheiro (frequentado pela segunda geração da Bossa Nova), o Jangadeiros (onde a Banda de Ipanema comparecia em massa) e o Antonio’s, que reunia famosos e anônimos. “Você estava lá e o Boni, o Chico Buarque ou o Roniquito de Chevalier (boêmio célebre) estavam na mesa ao lado!”, alegra-se Paulo, lembrando de uma vez em que o bar foi assaltado e todos, conhecidos ou não, foram trancafiados pelos bandidos no banheiro. “Começaram a gritar lá de dentro para os ladrões levarem as contas que estavam penduradas!”, brinca.

A viagem da dupla inclui lugares que precisaram dar espaço para o “progresso”, como a Taberna da Glória e o primeiro Bar Lamas, ambos desalojados por causa de obras do metrô. Ou imagens raras dos primeiros botequins, misturas de bar com armazém de secos e molhados — uma das enfocadas pelo livro, a Tendinha Águia de Ouro, existiu justamente na região derrubada para a construção da Avenida Presidente Vargas. A origem do termo ‘botequim’ também é investigada pela dupla. Teria surgido em 1808 e viria das boticas (primeiras farmácias) onde pessoas faziam reuniões.

A estigmatização dos botequins já data do século 19 e definiu a maneira como esses estabelecimentos são vistos até hoje. “Nessas boticas as pessoas compravam remédios e alguns eram produzidos com álcool de cana. Eram lugares que ameaçavam o estatuto colonial. Era comum haver bares nos lugares onde os bondes faziam a curva. E já eram pontos tidos como ‘lugares de cachaceiro’”, conta Zé Octávio, citando a região do Ponto dos Cem Réis, em Vila Isabel, onde há até hoje o Bar Capelinha, frequentado por Noel Rosa e seus parceiros.

Escrito em menos de um ano (“investi meu fígado no trabalho!”, brinca Paulo), o livro remonta a 1997, quando a dupla começou a trabalhar no projeto Rio Botequim, que mapeava bares. “Na época, se chegássemos num bar e o chamássemos de botequim, o dono ficava bastante irritado. O termo era pejorativo. Mas isso mudou”, brinca Zé Octávio.

Publicado en Odia

 

Livro conta a história de 26 botequins que influenciaram a história do Rio

Um comércio tipicamente carioca, o botequim guarda a história da cidade, de sua arquitetura, seus hábitos e costumes culturais, sociais, gastronômicos e etílicos. Das antigas casas de pasto, boticas, armazéns e tabernas até os cafés, uisquerias e os bares como conhecemos atualmente, esse tipo de estabelecimento vem se desenvolvendo e ganhando novos contornos desde a fundação do Rio de Janeiro.

Muitos foram abaixo junto com reformas e obras urbanas, alguns desapareceram por questões particulares de seus donos, outros mudaram de lugar acompanhando a efervescência cultural surgida em determinados bairros. “Memória afetiva do botequim carioca”, com 26 verbetes sobre os botequins do passado que forjaram o presente do Rio, é um inventário amoroso, que percorre sonhos, desejos e usos de seus fundadores e usuários, entre eles os autores Paulo Thiago de Mello e Zé Octávio Sebadelhe.

Com apresentação do jornalista Sérgio Cabral e do cantor e compositor Aldir Blanc, notórios boêmios, o livro traz ainda textos sobre as origens e os aspectos dos botequins, incluindo seu mobiliário e arquitetura, bem como um panorama da história da bebida alcoólica no Brasil. São muitas também as histórias e anedotas sobre os seus personagens, famosos e anônimos, que retratam o espírito e a alma do carioca.

A boemia de Ipanema, a fossa de Copacabana, o rock da Tijuca, o samba e a bossa nova do Centro: foram muitos os encontros musicais, literários e políticos que se deram nos botequins. Do Café Nice, frequentado por Noel Rosa, Pixinguinha, Francisco Alves e Aracy de Almeida, ao Zicartola, que viu surgir Paulinho da Viola; do “Suvaco” de cobra, reduto do choro na região da Leopoldina e onde Joel Nascimento iniciou sua carreira, ao Antonio’s, point de Chico Buarque, Vinicius de Moraes e Tom Jobim, passando pelo Divino, onde Roberto e Erasmo Carlos se tornaram amigos de fé e irmãos camaradas.

Com traços portugueses, espanhóis e parisienses, os botequins cariocas incorporaram tradições estrangeiras e sofreram influência das ondas políticas. Alguns, como o Bar Luiz, de donos alemães, precisaram mudar de nome depois da Segunda Guerra Mundial. Outros se tornaram referência para discussões políticas, após o fim da ditadura no Brasil, como o Barbas, que promovia debates entre candidatos ao governo do Rio na década de 80 e até um disputado ciclo sobre psicanálise.

Produzido por Leo Feijó, fundador de 10 bares e casas de show no Rio de Janeiro e diretor do Sindicato de Bares e Restaurantes da cidade; com pesquisa de Flávio Silveira, especialista em memória urbana e integrante da equipe do “Rio Botequim”; e com gestão de Aline Brufato, sócia do Bar Semente, “Memória afetiva do botequim carioca” faz parte da biblioteca RIO 450 de livros selecionados pela prefeitura para a comemoração do aniversário da cidade. Editada pela José Olympio, a obra chega às livrarias em dezembro.

PREFÁCIO

Por Sérgio Cabral

O título desta obra poderia, perfeitamente, ser O nosso segundo lar. Afinal, o que representaram para mim botecos como o Bar Luiz, o Antonio’s, senão uma extensão do meu quarto e da minha cozinha? Na verdade, não sei se eu seria este cara que escreve estas coisas se não carregasse uma história vivida nas mesas de bar. Quem eu seria se não estivesse envolvido profundamente — sem exagero, profundamente — na história de ícones da boemia carioca, como o Zicartola e o próprio Antonio’s, agora citado porque me lembrei que foi para ele que corri quando saí depois de dois meses na prisão. É isso mesmo que confesso: antes de ir para casa, me ofereci ao Antonio’s, onde, honra seja feita, fui recebido com imensa alegria não só pelos clientes, como, especialmente, pelos proprietários do estabelecimento, que me ofereceram uma bebida raramente servida lá: champanhe.

Longe de mim comparar a alegria reinante nos bares com o saudável ambiente, por exemplo, de uma leiteria. Não comparo porque tenho horror a covardias, até porque sigo aquela orientação do nosso papa Vinicius de Moraes de que amigos a gente faz nos botecos e não nas leiterias. Reafirmo que não quero polêmica por causa de preferências individuais. Continuo amando os botequins. Quanto aos que não os amam tanto, estão perdoados. Deus tenha piedade deles.

APRESENTAÇÃO

Aldir Blanc

É importante para mim escrever sobre os bares selecionados em livro tão bacana. Porque bebi em quase todos e alguns fazem parte da minha vida. Então vou preferir, em vez de uma abordagem formal, contar “causos” vividos, como se estivesse num buteco com amigos — no caso, os leitores.

Bom, vou pela ordem: No Bar Luiz, haja fígado, tomei muito chope preto e, o que não faz muito meu gênero, comia de deixar pasmos os biriteiros da mesa. Adoro tira-gostos e o Bar Luiz é campeão. Uma vez, já altos, Zeca Mello Menezes e eu convidamos para a nossa mesa um rapaz negro que vagava pelo bar. Ele disse que era conhecido como Jota da Abolição. Vocês sabem como essas coisas funcionam em bar: o cara virou em cinco minutos Jotinha, 1888, Zé do Patrocínio e até Princesa Isabel… Quando o Bar Luiz fechou, fizemos a ronda de outros bares e gafieiras. Na companhia de moças levadinhas, fomos para um hotel naquela subida no final do Leblon e PERDEMOS o Jotinha!!! Espero que ele não tenha caído no mar.

O Capela foi meu por uma década e meia. Sou amigo do garçom Cícero, um craque várias vezes laureado com o galardão de Melhor Garçom do Rio, o que não é fácil. Lá, participei de um concurso de conhaque e venci. Quando, eufórico (minha suburbana danada da vida…), saí, faltou gravidade, e pairei por um instante em pleno ar! Não dei de cara no chão porque aquele senhor de cabeça branca da porta do Capela (uma parada duríssima quando mais jovem, em Copacabana) me pegou em pleno voo e me enfiou feito um torpedo num táxi…

No Lamas, outra década e meia de gorós, quando o histórico produtor musical Pelão morou no Rio, conheci os garçons Maia, com suas histórias da Era de Ouro do rádio; estive na festa de despedida do Paulinho; e lamentei perder outra farra quando o Vieira “Passarinho”, o garçom mais meu amigo, pendurou a bandeja. Na efeméride em homenagem ao Paulinho, um conhecido publicitário fez um discurso, perdeu, de porre, o rumo e, virando-se para uma senhora de cabelos brancos, detonou a seguinte pérola:

«Tenho o maior tesão nessa sua… nessa sua… O suspense era tremendo. A conclusão: — … nessa sua cara de velha!

Sobre as noitadas no Beco da Fome com o pianista Chiquinho Botelho, iih, é melhor calar…

Luna e Veloso: birinaites para profissional, em companhia de Sueli Costa, Maurício Tapajós, João Bosco, Miúcha, Paulo Roberto Pires…

Saindo da adolescência, paguei, no primeiro Castelinho, rodadas com os ganhos iniciais como baterista e compositor, o primo Dininho aprontando todas e chamando o chope de “morangos com creme”.

Uma rápida troca na (des)ordem final. Na Taberna da Glória, eu caía, não de bêbado, mas de rir com o incrível Hermínio Bello de Carvalho. Toda a glória da Taberna vivi no Pardellas: uma tarde-noite a convite do Tom Jobim. Tom pediu uma garrafa empoeirada de Old Smuggler, e ficava me alertando:

— Música não é o que as pessoas pensam. Não se deixe matar!

Um sábio. O grande momento da noite fulgurou quando um velho compositor de carnaval, metido até a cintura nas mumunhas de direito autoral, adentrou o recinto. Tom levantava o copo, um largo sorriso no rosto, e dizia baixinho:

— Um brinde, seu ladrão escroto, pilantra sem-vergonha.

E o cara láááá na outra mesa:

— Obrigado, Tom, meu querido!

Não é preciso dizer que em todos esses bares encontrei o Jaguar…

Publicado en JB

 

Livro traz as histórias de 30 bares inesquecíveis do Rio de Janeiro

Dizem que a história aconteceu nos anos 1970, no Antonio’s, saudoso bar que ficava na esquina da Bartolomeu Mitre com a Ataulfo de Paiva. Num fim de noite, quando os últimos clientes tomavam a saideira, bandidos invadiram o local e prenderam todos no banheiro. De lá, alguém gritou: «Levem as penduras!». Nessa hora, Manolo, o proprietário, se desesperou: podia até perder o dinheiro do dia, mas nunca o débito dos biriteiros.

O causo é contado no recém-lançado «Memória afetiva do botequim carioca» (editora José Olympio), que faz parte da Biblioteca Rio450, dos jornalistas Paulo Thiago de Mello e Zé Octávio Sebadelhe, ao lado das histórias de 30 botequins que marcaram o Rio de maneira indelével. Estão lá, por exemplo, o Bar 20 de novembro (o mais antigo de Ipanema, do final do século XIX), o Zicartola (boteco de Dona Zica e Cartola, de 1963) e o Barbas (que tinha dois ex-presos políticos entre seus sócios, de 1981).

A Tendinha Águia de Ouro, que ficava na Rua General Câmara com a Praça General Osório, que deram lugar à Avenida Presidente Vargas – Divulgação/MIS/Coleção Augusto Malta

Até a Guarda Velha, primeira fábrica de cerveja carioca, inaugurada em 1863, faz parte da lista. Contam os autores que o dono do empreendimento, Bartholomeu Correia da Silva, já tinha alma de marqueteiro e resolveu abrir um parque pitoresco com mesas e cadeiras ao lado da fábrica, com divertimentos que iam de bailes de dança a apresentações de circo.

– Mais do que um livro sobre botequins, ele trata da história da boemia e da cidade. A nossa boemia fez um circuito conforme o Rio foi passando por reformas urbanas e mudanças políticas – diz Paulo Thiago.

O caminho percorrido pelos botequins e pela boemia, explica Paulo Thiago, sai do Centro, passa pela Lapa e chega a Copacabana na década de 1950. Ali aparecem os bares com portas fechadas, que assistem ao nascimento da bossa nova. Depois, com a ditadura em 1964, vem o desbunde, o tropicalismo, a Banda de Ipanema… E é para esse bairro que seguem os boêmios. Em destaque, bares como o Veloso, que depois viria a se transformar no Garota de Ipanema. Já nos anos 1980, com o rock brasileiro em alta, é no Leblon que a boemia passa a se encontrar. Não é à toa que Cazuza e seus amigos estavam sempre por ali.

– Na verdade, a partir do Centro, a boemia encontra o caminho tanto da Zona Sul quanto da Zona Norte, assim como a própria expansão da cidade – afirma Paulo Thiago.

A Casa Pardellas, que ficava no Centro do Rio – Arquivo

O trabalho de pesquisa foi extenso e trouxe surpresas como a foto que ilustra sua capa. A imagem de um antigo botequim na Usina, o Bar Santa Carolina, foi encontrada na internet, conta Sebadelhe. Resultado: foram todos até a Tijuca atrás de mais informações sobre o bar, a foto e a família que detinha seus direitos.

– Encontramos a criancinha que aparece no colo da mãe. É a dona Maria Preciosa, que hoje tem uns 90 anos – diz o autor. – Ela esteve inclusive no lançamento do livro, acredita?

O «Memória afetiva do botequim carioca» ainda vai contar com uma série de visitas guiadas, homenagens e entrega de placas a bares. O primeiro evento acontece nesta sexta, com uma homenagem especial à Casa Villarino e ao Bar Luiz. Informações pelo e-mail [email protected] ou pelo telefone: 2579-6736.

 

Publicado en O Globo

 

 

También podría gustarte