Los «Versos pornográficos» de Chico César

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Chico César lança ‘Versos pornográficos’: ‘Sem erotismo, a vida não tem a menor graça’

No lançamento do livro “Caderno de poesias” (Editora UFMG), há duas semanas, Maria Bethânia contou que está “alucinada” por um livro que ganhou de presente: “Versos pornográficos”, do amigo, cantor e compositor Chico César.

— Eu vi aquele título, “Versos pornográficos”, um livrinho que ele deixou quietinho no meu camarim durante o show que fizemos juntos para o Prêmio da Música Brasileira. Dei uma folheada e achei uma delícia! Tem um jogo de palavras delicioso, ele é muito sacana, eu não imaginava — comentou a cantora.

Lançado sem muito alarde em outubro pela Confraria do Vento, o volume encarnado tem prefácio do escritor Márcio-André, amigo de Chico e o primeiro a apostar no material escondido nas gavetas do compositor, e ilustrações provocantes da húngara Sári Szántó.

Como surgiu a ideia do livro?

Do livro mesmo foi numa conversa por Facebook com Marcio-André, multiartista que integra o conselho editorial da Confraria do Vento. Ele me perguntou nessa conversa se eu tinha algum livro no prelo depois dos dois primeiros lançados: “Cantáteis — Cantos Elegíacos de Amozade” e “Rio Sou Francisco”. Respondi que não tinha nada. Ele insistiu: Nada mesmo? E eu, meio envergonhado, respondi que tinha uns escritos eróticos que nem estavam organizados, pois eu não pensava que aquilo pudesse virar um livro. São poemas espalhados pelo tempo apesar do, com o perdão da palavra, “grosso” do livro ter sido escrito num primeiro momento de minha estada na Paraíba como gestor (ele foi secretário de Cultura do estado de 2011 a 2014). Nas minhas noites, claro. A musa do disco “Estado de poesia” (Bárbara Santos) ainda não havia se instalado em mim, e as canções não estavam saindo. Tomei coragem de dizer que tinha os poemas pois fazia pouco tempo que tinha escrito a apresentação do livro erótico “Meio seio”, de um dos meus autores preferidos da poesia brasileira: Nicholas Behr.

Você costuma ler poesia erótica?

Gosto muito de literatura erótica. Creio que comecei com Adelaide Carraro na Livraria Lunik, que era também loja de discos, em minha Catolé do Rocha, no sertão da Paraíba. Eu, bem menino, ali com 8, 9 anos de idade, me interessava pelo tema sexo ao mesmo tempo que me assustava, claro. Ali eu gostava de ler “De onde vêm os bebês”. Mesmo o aspecto, digamos assim, técnico me interessava. Depois, os livrinhos de “catecismo» com os desenhos de Carlos Zéfiro e seus muitos imitadores e, algo que lembrei agora, umas fitas cassete que contavam histórias bem cabeludas. Pra mim, um clássico da poesia erótica é o “Poema da buceta cabeluda”, do paraibano Bráulio Tavares, que recitávamos nas ruas de João Pessoa no começo dos anos 1980. Pra mim esse poema é o exemplo de literatura que exalta o prazer e não rebaixa a mulher. E isso, pra nós que temos uma formação esquerdista cristã, é uma libertação, principalmente quando se é adolescente. A literatura regionalista traz bastante um viés erótico, ou pelo menos sensual. Temos isso em Jorge Amado, José Lins do Rego, Guimarães Rosa. É muito mel escorrendo pelos dedos, muito cheiro de flor do mato, de dendê pelo corpo, muita pegação em cacimba e beira de riacho. Eu era menino, vendia e lia esses livros.

Tem algum tema tabu para você?

Tabu sempre tem, né? E quem não os tem? Mas com eles erguemos nossos totens.

Este ano foi lançada uma “Antologia da poesia erótica brasileira”, da professora Eliane Robert Moraes. Neste estudo, ela diz que “todo poeta brasileiro já experimentou, de uma forma ou de outra, a poesia erótica”. Queria que você falasse disso um pouco.

O erotismo faz parte da vida. Quem passa pela vida passa necessariamente pelo erotismo. Sem ele a vida não tem a menor graça. É como sexo pra procriação ou viver só para o trabalho. É lindo quando descobrimos o erotismo num clássico como Drummond. Sei que alguns dirão que é erótico nele o que em outros é pornográfico. Eu não ligo muito para essas classificações. Cada um tem seu próprio prazer estético. Quando Marisa Monte pôs um desenho de Carlos Zéfiro na capa de um disco dela foi muito bom para que pessoas mais recatadas e, por que não dizer, caretas, ficassem mais à vontade com aquela “pegada” mais forte. Eu gosto.

Você já fez canções eróticas?

No meu disco “Francisco forró y frevo”, canto uma parceria minha com o também paraibano Pedro Osmar que intitulamos “A marcha da calcinha”: “A vida tirou a calcinha pra mim/ me dominar, me amar, me amarrar com seda e cetim”. E por aí vai. Gravamos num pot-pourri em que a juntamos com “A marcha da cueca”, de outro paraibano: Livardo Alves. Os paraibanos estão me saindo bem safadinhos. No meu disco mais recente, “Estado de poesia”, sinto bem presente o erotismo em versos como “A fruta de seus lábios, a alma saindo pela boca, os lábios de sua fruta calma derramando em calda a polpa/ apalpo muito pouco a pouco palpos dos sonhos mais loucos/ doce o caldo derramado desse engenho nunca dentes escorrido em gozo”, da música “Caracajus”. Sinto que a própria poesia é uma manifestação de libido, do fogo de viver.

Qual a principal dificuldade em escrever pornografia?

Era algo íntimo, pessoal. Então não houve muita dificuldade. Difícil mesmo foi admitir que “aquilo” podia ser publicado, publicizado. Dá um certo receio. Então, às vezes vou visitar alguém e levo meu disco de presente mas não levo o livro. Fico meio constrangido, mas sinto que muita gente recebeu bem o livro. Fiz shows pelas periferias de São Paulo, nos CEUs, e as mulheres foram lá e compraram o livro. Depois, muitas escreveram elogiando. Deu um certo alívio, isso.

Os brasileiros estão mais caretas?

Os brasileiros caretas estão ocupando muito espaço na mídia, nas redes sociais e nas ruas. Eles saíram do armário e trazem às ruas sua baba e seu mimimi retrógrado. Mas isso com certeza é uma reação às conquistas institucionais que os avanços comportamentais impuseram nos últimos tempos. Ou seja, o Brasil ficou menos careta mas os caretas ficaram mais agressivos e incisivos em sua caretice e suas patrulhas. Bateu o desespero, eles perderam e são atropelados pela história. Quanto mais cara feia fizerem, mais sorriso e flor devemos mostrar a eles. Quanto maior a burca que eles querem nos impor em pleno sol do meio-dia, mais vezes tomamos banhos pelados no mar em noites de lua. Ou sem lua mesmo.

Leia abaixo o poema “Casta”, incluído no livro:

“em público casta

mas quando de mim

em privado se acosta

mulher de palavra

depravada

diz como se falasse ao espelho do que gosta

mais de frente

mas também de costas

diz que a saliva seca

e se faz molhada a cona

e piscante o rego

mamilos duros

que mesmo mamá-los

não lhes traz sossego

que o clitóris

grão grilo e grelo

salta ciciante entre a espuma dos lábios

e os dedos sábios

a socorrem sem medo

quando aí se acaricia

e a funda fenda inunda

como tempestade a raiar o dia”

“Versos pornográficos”

Autor: Chico César.

Editora: Confraria do Vento.

Páginas: 48.

Preço: R$ 43

Publicado en O Globo
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