Rarx, negrx y pobre

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Foi pensando no perfil atlético e na carreira de Gary Lineker, maior artilheiro da Inglaterra em Copas do Mundo, que um sambista de Araraquara (SP) sugeriu à irmã que batizasse o filho com o nome do craque.

Vai que dava sorte e o garoto virava atleta de sucesso. Em 1995 nasceu com uma pequena mudança na grafia do nome, Liniker Barros, hoje com 20 anos. Passou longe dos campinhos de pelada. Preferia espiar, na casa de sua avó, os tios compondo sambas, debruçados em cadernos e cavaquinhos.

Nunca calçou chuteira na vida. Gosta mesmo é de maquiagem, brincos, colares, saia e turbante, principalmente quando está no palco, cantando black e soul music.

Pelo visto, Liniker acertou em preterir o futebol. Seu grupo, Liniker e os Caramelows, faz sucesso com apenas cinco meses de estrada. Em outubro, lançou na internet um EP com três faixas, «Louise du Brésil», «Caeu» e «Zero», cujo clipe já tem 1,5 milhão de visualizações no YouTube.

A voz rouca no ritmo suingado, o batom vermelho sob um fino bigode e a naturalidade com que veste roupas femininas despertaram curiosidade e empatia do público.

Seu discurso fala em desconstrução do gênero sexual e «empoderamento» de minorias, sobretudo gays e negros. Sem a performance, é verdade, as músicas não transmitiram tais ideias. «São cartas de amor que nunca tive coragem de enviar», diz ele.

Liniker se descreve como «bicha, preta e pobre». Evita masculino e feminino ao falar de si ­tarefa difícil para quem escreve sobre o/a artista.

Diz fazer MPB, «música preta brasileira». «A questão do gênero não é somente o vestir­se. É numa dimensão de desconstruir a ideia de que a gente precisa viver num padrão e seguir uma estética normativa», diz Liniker.

Em fevereiro, se apresentou para 30 mil pessoas no festival Rec Beat, no Recife, ao lado de Johnny Hooker. No mesmo mês, abriu show de Tulipa Ruiz e Marcelo Jeneci no Circo Voador, no Rio. Na sexta (25), se apresentou no Cine Joia.

«Liniker nos aponta um caminho futuro da nossa música popular. Um futuro onde podemos ser exatamente quem somos e viver nossas dores e delícias em total liberdade e desbunde», diz Hooker.

«Acho que isso [meu trabalho] é uma questão política de resistência. De me colocar ali enquanto indivíduo. E toda essa questão de ser preto, sim, ser pobre, ser bicha, é de empoderamento mesmo. E por me sentir vivo sendo quem eu sou», afirma Liniker.

Há quem diga que, fisicamente, lembra Luiz Melodia. No palco, tem um quê de Ney Matogrosso. No canto, inspira­se em Etta James e Nina Simone. Tem influência de Tim Maia, Os Originais do Samba, Trio Mocotó, rap, partido alto e até da guitarrada do Pará.

Ao aceitar o que é, explica Liniker, o povo está «lacrando» ­verbo nascido nos círculos gays que significa «arrasar» à última potência. «As pessoas estão levando a ‘palavra do lacre’ para a vida». Sua atitude serve de inspiração, acredita.

Publicado en Folha de S. Paulo

 

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