Brasil: Falleció «el poeta del espanto» Ferreira Gullar

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RIO — “Se hoje, o arcanjo, uma ameaça detrás das estrelas, desse um passo apenas em direção a nós, nosso coração, sobressaltado, explodiria”.

Foi esse verso, exatamente esse, dentro do livro “Elegias de duíno”, do poeta tcheco Rainer Maria Rilke, o primeiro a assombrar o maranhense José Ribamar Ferreira Gullar. Ele tinha 19 anos e ganhou o livro de presente de um amigo, que enviara o exemplar do Rio de Janeiro a São Luís com a recomendação de leitura urgente.

— É um verso assombroso. Assim que eu comecei a ler, pensei: então a poesia é isso! A poesia não era o que eu, antes de ler Rilke, pensava que ela fosse — contou Ferreira Gullar ao GLOBO, em 2010, desprezando o seu primeiro livro, “Um pouco acima do chão”.

O arcanjo certamente foi correndo de encontro ao coração explodido do jovem escritor: além de descobrir a poesia, Ferreira Gullar tomou-a para si, tornando-se um dos maiores poetas brasileiros em toda a história literária nacional.

Rilke abriu caminho para leituras de T.S. Elliot, Paul Válery (principalmente “O cemitério marinho”), Rimbaud, Drummond e outros que o influenciariam. E para a certeza de que a poesia estava “na coisa sórdida, no pus, nos insetos, no desprezível” e “no espanto”, como gostava de listar. E na própria linguagem.

Em 1954, aos 24 anos, já vivendo no Rio de Janeiro, casado com a atriz Thereza Aragão, Gullar trava em seu próprio caminho “A luta corporal”, livro que cai como uma bomba na cena literária brasileira com seus versos vanguardistas (o poeta Armando Freitas Filho lembra de tê-lo copiado inteiro, à mão, para melhor entendê-lo; o escritor Silviano Santiago conta que até hoje sabe seus versos de cor).

Era a luta com a própria linguagem, diria Gullar repetidamente anos depois, ao explicar a obra que de certa forma anunciava o movimento neoconcreto.

— Concluí que a poesia não podia ser apenas versos bem feitos. Comecei, então, a pensar que a linguagem era velha. Que eu mesmo, com vinte e poucos anos, era velho. Eu tive uma formação parnasiana rigorosa. Eu precisava mudar também. Se a linguagem é velha, ela envelhece o poema. Então, resolvi chegar a uma linguagem tão nova quanto o poema que ia escrever — detalhou Gullar ao crítico José Castello.

A luta começava em versos lineares, como os do poema “O mar intacto”: “O girassol/ vê com assombro/ que só a sua precariedade floresce. Mas esse/ assombro é que é ele, em verdade. / Saber-se/ fonte única de si/ alucina”. E terminava enfurecida, como nos últimos versos do poema “Roçzeiral”, já totalmente visual.

MOVIMENTO NEOCONCRETO

Com os amigos Lygia Clark, Helio Oiticica e Amílcar de Castro, começou a elaborar poemas de profunda sintaxe visual. Dois textos publicados por Gullar no “Jornal do Brasil”, no entanto, estabelecem as diferenças entre o que ele próprio fazia no Rio e o que faziam os poetas concretos de São Paulo, como Haroldo e Augusto de Campos: “Manifesto neoconcreto” e “Teoria do não-objeto”. Nos textos, defende a experimentação nas artes e a importância da intuição na criação, em contraposição ao racionalismo do movimento paulistano.

Veio o nascimento de Brasília e um maior envolvimento do poeta com o Brasil e os movimentos sociais. Gullar presidiu o CPC da UNE, escreveu cordel, poesia política. Filiou-se ao Partido Comunista no dia do golpe militar de 1964 e foi um dos fundadores do Grupo Opinião, para o qual colaborou com textos de teatro. Em 1968, Gullar foi preso, ficando na mesma cela que Gilberto Gil. Em 1971, parte para o exílio em Moscou, passando ainda por Santiago, Lima e Buenos Aires. A imprensa alternativa ganha seu nome na lista de peso dos seus colaboradores.

Em 1975, embrenha-se “Dentro da noite veloz”, livro que vinha escrevendo desde 1962 e que traz outra safra de poemas brasileiros para sempre. Foi quando Vinicius de Moraes trouxe uma fitinha cassete de Buenos Aires, e cópias da gravação correram de mão em mão. Nela, Gullar lia um poema que tinha acabado de escrever no exílio. Como a ditadura Argentina endurecia, ele escreveu o texto como se fosse “a última coisa da sua vida”: era o “Poema sujo”.

Foi o sucesso do “Poema sujo” que trouxe Gullar de volta ao Brasil. Foi interrogado durante 72 horas ininterruptamente pelos militares, mas acabou solto. Livre, retomou o “assombro” pela poesia, palavra que prezava tanto. Depois, ele a substituiu por “espanto” sempre que lhe perguntavam sobre inspiração. Como escreveu em “Traduzir-se”, de “Na vertigem do dia” (1975-1980): “Uma parte de mim/almoça e janta:/ a outra parte/ se espanta”.

Entre muitos outros prêmios, Gullar foi laureado com o Jabuti por “Muitas vozes” (1999), com o Prêmio Machado de Assis, da ABL (2005), e com o Prêmio Camões (2010). Fez livros infantis, ensaios literários, crítica de arte, fez ele mesmo arte visual: suas colagens ganharam uma exposição individual em Copacabana em 2014. Envolveu-se em polêmicas vívidas: em 2010, criticou a obra “Bandeira branca”, de Nuno Ramos, em discussão que ocupou os jornais por alguns dias (“Não há Jesus Cristo que me convença que colocar um urubu dentro de uma gaiola é fazer arte”, acusou ele sobre a obra exposta na Bienal de São Paulo). A mais recente aconteceu este ano, quando ele e o poeta Augusto de Campos, trocaram farpas publicamente por posições políticas e artísticas.

“ME LEVA PRA IPANEMA”

Há exatos dois anos, depois de manifestar-se contrariamente à sua indicação, Ferreira Gullar foi empossado imortal na Academia Brasileira de Letras. Num discurso sobre seu amor à poesia, que levou os colegas às lágrimas, encerrou dizendo, simplesmente: “Estou feliz da vida”.

O poeta, ensaísta, crítico, dramaturgo, tradutor e memorialista Ferreira Gullar morreu ontem, às 11h, aos 86 anos. Internado há 20 dias no Copa D’Or, na Zona Sul do Rio, por complicações pulmonares, o escritor desenvolveu um pneumotórax que se agravou com uma pneumonia.

Segundo o escritor Zuenir Ventura, que o acompanhou internado, suas últimas palavras foram à filha Luciana (Gullar teve outros dois filhos, Paulo e Marcos, este, morto em 1990), pedindo para não prolongarem sua vida com aparelhos: “Me leva para Ipanema. Quero entrar no mar e ir embora”.

 

Publicado en O Globo

Muere el gran poeta brasileño Ferreira Gullar

El poeta brasileño José Ribamar Ferreiro, conocido como Ferreira Gullar, murió este domingo a los 86 años de edad en el hospital Copa D’Or de Rio de Janeiro, reportó El Informador.

Poeta, ensayista, crítico de arte y traductor, nació en 1930 en el estado de Maranhao en la región noreste de Brasil. Fue militante comunista y estuvo exiliado durante la dictadura militar (1964-85) en la ex Unión Soviética, Chile y Argentina.

Junto a otros poetas y artistas plásticos brasileños como Lygia Clark o Amílcar de Castro impulsó a fines de la década de 1950 el Movimiento Neoconcreto para reaccionar contra «la peligrosa exacerbación racionalista» del arte concreto, como expresaron en un manifiesto.

Él mismo transitó en varias esferas del arte colaborando en creaciones musicales y hasta ilustraciones. En 2010 recibió el premio Camoes, el más importante de la lengua portuguesa.

Su obra más emblemática es el extenso «Poema sujo» (Poema sucio), escrito en 1975 en Argentina durante su exilio. Lo leyó ante un grupo de amigos en Buenos Aires entre los que estaba el compositor Vinicius de Moraes quien, conmovido por el texto, pidió un registro de la obra y la introdujo en Brasil, donde comenzó a circular en encuentros clandestinos de poesía.

Con el tiempo revisó sus utopías y hasta fue crítico de la izquierda en el poder y de «algunos gobiernos populistas» aunque afirmó que «la lucha por los cambios sociales aún se mantiene».

Su muerte «deja un vacío inmenso en la literatura nacional», reaccionó a través de Twitter el presidente conservador Michel Temer. En la capital de Maranhao, Sao Luis, el alcalde Edivaldo Holanda decretó tres días de duelo.

Publicado en PeopleDaily

Una sonrisa
Cuando
con mis manos de fogonazo
te enciendo y en rosa
abajo
te despetalás
cuando
con mi antorcha ardiente y ciega
penetro la noche de tu flor que exhala
orina
y miel
¿que busco yo con toda esa asesina
furia de macho?
¿que busco yo
en fuego
aquí abajo?
sino cojer con la repentina
mano del delirio
otra flor: ¿la de la sonrisa
que en lo alto tu rostro ilumina?


Não há vagas

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
– porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira.


No corpo

De que vale tentar reconstruir com palavras
O que o verão levou
Entre nuvens e risos
Junto com o jornal velho pelos ares
O sonho na boca, o incêndio na cama,
o apelo da noite
Agora são apenas esta
contração (este clarão)
do maxilar dentro do rosto.
A poesia é o presente.

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