El espacio de la cultura popular

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Recebi a difícil tarefa de escrever na coluna da Mídia Ninja. É uma alegria a confiança e parceria dos Ninjas com o Levante. Mas por que difícil? Porque não costumo escrever assim. Na real, escrever é meu trabalho como cientista social. Foi porque amava ler e escrever que escolhi meu curso. Pensando em escrever esse texto, percebi que, ao longo dos anos, aprender a escrever na “ABNT” com citação, para relatorias, ter uma produção acadêmica, formal e científica botou censura na minha caneta. Os processos de mecanização do nosso corpo e mente são massacrantes e altamente eficientes não é mesmo? A engrenagem gira, aprisiona e molda toda a juventude para o lugar reservado no mercado de trabalho, inclusive pra lugar nenhum, pra cadeia, pro câncer, pro cemitério…

Essa coluna é uma das tarefas que o Levante me deu e entendo que tarefa dada é tarefa feita. Dividimos as tarefas porque somos coletivo e isso nos fortalece. Como escrever é preciso e precioso estou aqui fritando, gostando e espero que vocês também gostem. A minha fritação aqui veio muito, porque agora em novembro participei de um encontro de Teatro Político e, nesse momento, estou no avião (escrevendo esse texto no guardanapo, pois estou sem caderno), saindo do Seminário Nacional de Hip Hop Dina Di e Def José que o Levante organizou no Ceará. Na realidade acredito que os textos que vou escrever aqui nessa coluna vão ser sempre resultado de processos e vivencias coletivas. Nesse Seminário de Hip Hop, eu vi que não sabia nada sobre o assunto, mas aprendi muito! E minha fritação veio relacionando tudo isso com algo que é muito próximo de mim – o teatro e em especial o Teatro do Oprimido – na reflexão sobre a força e a potência que a juventude tem, sobre as ferramentas e armas que podemos usar em nossas lutas. Sempre penso isso, mas sempre me surpreendo com nossa capacidade e força!

Como falava no começo do texto, o sistema capitalista possui um grande processo de mecanização, onde faz a juventude se sentir incapaz; divide quem pode ou não produzir beleza, estética, ritmo e poesia. Um processo histórico que se fortalece no Brasil com a Rede Globo, com o sucateamento do Ensino Básico, com o processo de construção de periferias; à margem de direitos e oportunidades. Assim, nega e critica as produções culturais do nosso povo e/ou transforma a nossa cultura em um produto dentro de uma indústria cultural. A engrenagem gira fazendo a mercadoria e tentando retirar a essência de resistência e insubordinação que é marca das nossas produções artísticas. Todo esse processo tem suas contradições e é fundamental ver artistas crescendo apesar de toda essa lógica.

Reconheço a importância de disputas na indústria cultural, mas estou refletindo qual resultado fica para o povo? Na melhor das hipóteses vemos nossas referências em um importante e fundamental papel, resistentes em um espaço antes e sempre negado. Mas e ai? Fica o sonho pra juventude, chegar nesse local, ser famoso, entrar dentro desse sistema. E as facilidades da internet têm colocado essa opção, de uma forma cada vez mais individualista e solitária

Quem refletiu sobre como dar respostas a essa mecanização e ao reflexo da indústria cultural foi Augusto Boal. Ele organizou o Teatro do Oprimido com base nos trabalhos e lutas do Teatro de Arena, do Centro Popular de Cultura, da Ação Libertadora Nacional, em suas experiências pelo mundo resistindo aos golpes militares, trabalhando com o MST e diversos grupos teatrais e movimentos sociais. O Teatro do Oprimido entende que todos nós somos atores da vida e da arte; que é necessário sair da passividade de plateia e atuar para mudar nossas histórias. Para fazer isso, Boal sistematiza um método com jogos, exercícios como ferramenta política de resistência do povo. O processo histórico do Hip Hop é diferente, mas também gera um método com o mesmo resultado. Uma ferramenta de luta, o Hip Hop salva! Na década de 70, a partir do Grand Master Flash, Kool Herc e do Afrika Bambaataa nasce o Hip Hop nas quebradas de Nova York, influenciado pela cultura negra americana e com muita influência da cultura africana e latina, em especial jamaicana. O Hip Hop desde sua origem enfrenta a criminalização e perseguição racista pela disputa de projeto colocada onde o povo não deveria se meter a produzir criticas e arte, e isso aparecia na proibição do grafite, na dificuldade de espaços para as festas, na reação violenta da polícia, por não se encaixar na produção e nos direitos autorais da indústria cultural.

Porém esses dois exemplos, em especial, são métodos facilmente reproduzidos e multiplicados e por isso se tornaram internacionais, assim como o sistema que eles querem combater. Vejo uma relação quando essas duas ferramentas possuem três ações básicas, que geram sua potência.

A primeira ação, é a rebeldia de produzir. O hip hop instiga a juventude fazer sua própria rima e buscar hoje na internet, mas antes, na fita cassete, no vinil seja em que tempo for, o beet, o ritmo pra a verdade que quer sair. O teatro do oprimido faz o mesmo movimento, com jogos e exercícios para que quem nunca fez teatro (e quem acha que só ator de novela que pode atuar) monte cenas e se apresente. Além disso, no teatro Fórum, todo mundo é convidado a entrar no “palco” para encenando buscar soluções coletivas para problemas coletivos. Esse convite para o “palco” também está no Hip Hop quando nos enxergamos em quem canta o rap, quem faz o beet; quando crescemos junto com a grafiteira que pintou aquele muro lindo. Isso nos mostra que somos sim capazes e nos dá coragem.

Depois acreditar que nós podemos falar, a segunda ação é sentir que temos o que falar. Tanto o Hip Hop como o Teatro do Oprimido são espaços pra cada um colocar sua vivência e sua verdade. Valorizar o que nós vivenciamos e abrir espaços para que isso seja colocado fortalece um processo de conscientização coletiva e transforma o Hip Hop e o Teatro em armas. E existe uma disputa sobre quem deve manejá-las. Por isso é importante que seja o povo o produtor da nossa arte e que ela carregue a verdade que querem esconder.

A terceira ação é o reconhecimento coletivo dos problemas, dos inimigos e das soluções. Talvez esse seja o passo mais difícil (pois é o mais perigoso para nossos inimigos) e necessário em nossos processos. O Teatro do Oprimido e o Hip Hop é política, possuem como essência a revolta, é de ataque e auto-defesa. Ou seja, “o teatro é uma arma e é o povo quem deve manejá-la” e o “Hip-Hop é uma cor, um amor, uma fé, denuncia a injustiça e deixa em choque os gambé”. O coletivo presente no hip hop é a força de um mesmo nego drama ser hino em todos os cantos do Brasil, mil cantos de mil tetras no país. No teatro do oprimido esse ser coletivo também é imperativo. As cenas produzidas, assistidas e apresentadas por quem devia ficar só na platéia constroem uma identificação do seu próprio problema que não é cena, é real.

Nas montagens de uma peça, para divulgar as batalhas, para conseguir o som e resistir com ele ligado de noite na praça contra os gambé, o mais difícil é estar sozinho nesses processos, mas a engrenagem cria essa tendência. Como resistência é fundamental se fortalecer em unidade. Esses dois métodos são poderosos e devem ser espalhados, fortalecidos, pois precisamos dessas armas preparadas e fincadas para as diversas batalhas que vamos precisar travar na vivência cotidiana do golpe em nossas vidas, para como disse meu amigo Muleke, fazer nós por nós a verdade da rua.

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Para ouvir e fritar: Rap Resistência

Fontes da Fritação:
Coisa de pele – Jorge Aragão
O Hip Hop é Foda – Rael (part. Emicida, Marechal, Kl Jay & Fernandinho Beat Box
12 de outubro – Racionais MC’s
Jogos para atores e não atores – Augusto Boal
Rap é política: percepções da vida social brasileira – Roberto Camargos

Publicado en MidiaNinja
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