Voces lusófonas

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Virgínia Rodrigues: “Estão querendo proibir de praticar sua fé”

A sofisticação vocal numa leitura de composições de países de língua portuguesa. Virgínia Rodrigues, em seu novo álbum, Cada Voz É uma Mulher, canta a cabo-verdiana Mayara Andrade, a moçambicana Lenna Bahule, a portuguesa Sara Tavares, a angolana Aline Frazão e as brasileiras Luedji Luna, Iara Rennó, Alzira E, Carolina Maria de Jesus, Ceumar e Mathilda Kovak.

“Descobri um universo que eu não estava acostumada a visitar. Já gravei mulheres em outros discos, como Sueli Costa, Dolores Duran. Mas acontece que eu não tinha o hábito de ouvir compositoras.”

A ideia de gravar mulheres partiu de Tiganá Santana, produtor do disco ao lado de Leonardo Mendes. “Achei que ia ser muito difícil, mas não foi”, resume Virgínia.

“Nunca tinha visitado essa seara com tanta profundidade como eu visitei, e principalmente de compositoras africanas. Fui fundo na pesquisa”.

Esse novo disco ratifica também um diálogo com o exterior, seja por meio de shows, seja gravando compositores de fora do Brasil.

“Antes ia mais para o exterior. Hoje, menos. O mercado mudou. Mas estou voltando à cena internacional”, afirma.

“Sou uma cantora de música popular brasileira. Então tudo o que eu canto, seja de que país for, eu passo e transmito, transporto meu lado.”

Matrizes africanas

Os discos de Virgínia Rodrigues são marcados por evocar a musicalidade afro-brasileira. São registros essenciais.

O primeiro disco de Virgínia Rodrigues, Sol Negro, saiu em 1997 impulsionado por Caetano Veloso, descobridor oficial de seu talento.

O segundo álbum solo, três anos depois, homenageou os blocos afro de Salvador. Em 2015, lançou o seu quinto disco, Mama Kalunga, enfocando a presença negra.

A exaltação às matrizes culturais no país hoje, no entanto, sofre sufocamento por razões ideológicas. E preocupa a intérprete.

“Estamos vivendo no retrocesso. Só está faltando agora dizer a você o que é que pode ou não falar. Estão querendo proibir você de praticar sua fé. Só falta agora eles dizerem para gente que só pode cantar música que fale o que eles consideram música, que fale de Deus. A música por si só já é de Deus.”

Marias, Marielles, Ivones, Clementinas

A cantora Fabiana Cozza expressou bem a intérprete baiana em texto de apresentação do álbum: “Ouço Virgínia Rodrigues e me enredo, me encanto, reverenciando essa irmã, deitando minha cabeça sobre seu colo onde o mais profundo é mar que tece a música de Marias, Marielles, Carolinas de Jesus, Ivones, Clementinas, yalorixás, mãe Zu“.

O trabalho contou com Leonardo Mendes no violão, João Taubkin no baixo acústico, Cauê Silva e Sebastian Notini nas percussões.

As nove faixas são: Sumaúma (Aline Frazão), Ter Peito e Espaço (Sara Tavares, João Pires, Edu Mundo), Stória Stória (de Mayra Andrade, que gravou a música ao lado de Virgínia), Vedete da Favela (Carolina Maria de Jesus), Oriki de Oxum (Iara Rennó sobre poema de Antônio Risério), Um Beijo de Beira (Alzira E, Arruda), Oração do Anjo (Ceumar, Mathilda Kovak), Asas (Luedji Luna) e a instrumental Temahulle (de Lenna Bahule, que gravou com Virgínia no disco; as duas vocalizam sons – ao invés de palavras – de forma magistral).

São músicas com a essencialidade afro, e também de saudação, de oração, da força imaterial. Canções que Virgínia Rodrigues tira de letra com sua imponência e profundidade vocal.

Carta Capital

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