Miúcha cumple 40 años con la música popular brasileña
Rio de Janeiro, RJ – Irmã de Chico Buarque, ex-mulher de João Gilberto, amiga de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, Miúcha fez mais do que testemunhar a genialidade em torno dela ao longo de sua vida. É conhecida por grandes discos como Miúcha & Antonio Carlos Jobim, de 1977, e Miúcha, de 1989, e por ter gravado com artistas como Stan Getz e Pablo Milanés, mas não só isso. Ao completar 40 anos de carreira, Miúcha celebra o feito com o projeto de um filme sobre ela dirigido por Nelson Pereira dos Santos, e estuda lançar gravações caseiras inéditas de João Gilberto. Em entrevista, a cantora, de 78 anos, conta que foi ela quem deu ensejo para o clássico “álbum branco” do pai da bossa nova, apresentou João Donato a seus futuros parceiros Caetano Veloso e Gilberto Gil e ensinou os primeiros acordes de violão a seu irmão.
Pergunta. Neste ano, celebram-se quatro décadas do lançamento do disco The best of two words, com você, Stan Getz e João Gilberto, o primeiro LP em que você aparece na capa…
Miúcha. Sim, mas saiu sem meu nome. Estou na foto da capa, mas não tem crédito para mim. Reclamei, mas ficou por isso mesmo. Esse disco teve muita história, gravamos em várias etapas. Primeiro, gravamos tudo e voltamos para o Brasil. Mas quando viramos as costas, o Stan Getz mexeu… Nesse disco, o sax é muito mais alto do que todo o resto. Quando vem o solo de sax, a gente tem que abaixar o volume (risos). João reclamou da mixagem, tivemos que voltar aos Estados Unidos. Ficamos um tempão morando na casa do Getz. No final dessa remixagem, encontrei o Tom e gravamos juntos O boto (do disco Urubu, de 1976). Estava lá gravando com João e Stan Getz num estúdio, e o Tom em outro, e ninguém podia saber, porque Getz queria que o Tom participasse do disco, e o Tom estava fugindo. Mas o engenheiro de som entregou e acabei ficando mal, ali de espiã entre os dois, me senti uma Mata Hari.
Antes você já tinha gravado o quê?
Fiz um compacto duplo, com duas músicas de cada lado, em 1975. Apresentei Donato a Gil e a Caetano, e eles fizeram as primeiras parcerias, Naturalmente (com Caetano) e Lugar comum (com Gil). Pus as duas no disco e gravei também com a Bebel, bem criança, uma música anti-homofóbica, O que quer dizer, do Péricles Cavalcanti (“E por que falar/ Prata é mulher/ Rosa mulher/ Lua mulher/ Se quando a gente é pequeno/ A gente costuma brincar/ Eu vou ser o que você quiser agora”). É tão bonitinha com Bebel cantando. A quarta é Correnteza, de Tom Jobim com Luiz Bonfá. Antes desse compacto teve o disco de capa branca do João (o cultuado João Gilberto, de 1973).
O que tem o álbum branco?
Estava fazendo um disco meu, gravei Águas de março… O João foi conhecer o estúdio, gravamos Izaura juntos, ele entrou no disco e, aí, acabou virando um disco dele (risos). Essa é a origem do álbum.
Se conheceram quando?
Em 1963, eu morava em Paris. Em 1964, fui para Nova York e arrumei logo um emprego. Não sabia nem falar inglês, mas arrumei um emprego de datilógrafa. Eu era desenhista, tinha feito publicidade. Uma das perguntas que me fizeram na entrevista foi se eu era boa com figures (cálculos, números, em português). Eu disse “oh, yes”, pensando que era desenhar figuras (risos). Casei com João em 1965. Na época viajávamos muito, nos mudamos muito. Uma vez peguei um ônibus errado, fui parar em New Jersey, gostei e voltei com uma casa alugada.
Como João via isso, essas ideias malucas?
Ideia maluca era com ele mesmo (risos). Eu insistia, mas ele nunca queria ir ver os apartamentos comigo antes. Teve um… A gente estava chegando com a mudança, ele viu e disse: “Heloísa, esqueci de te dizer que não gosto de casa de tijolinho”. Passei boas com ele. Fomos fazer uma turnê no México, o início estava o maior sucesso. Até que perguntaram se ele não se sentia mal com a altitude. Então, ele caiu duro na hora! Sentiu a altitude (risos). Parou a turnê, aquilo deu uma confusão infernal. Mas tenho muita gravação linda em cassete dessa época. Gal (Costa) cantando, João acompanhando. Tem muito vocal da gente, muita música inédita dele. Vamos resolver ainda se isso sai ou não, o que dessas coisas pode ser recuperado.
Como João está, na chegada dos 85 anos?
Igualzinho. Mas tocando como nunca.
Como você começou a fazer música?
Tinha aqueles encontros lá em casa, com meu pai (Sérgio Buarque de Holanda), com Vinicius. Aí juntei minhas irmãs e tínhamos praticamente um conjunto vocal. E o Vinicius estimulava, ele me ensinou os primeiros acordes de violão, eu devia ter uns 12 anos. Depois eu ensinava pro Chico o pouco de violão que tinha aprendido com Vinicius. E Chico logo começou a brincar de fazer música. Teve uma música que ele fez que eu aprendi, e uma vez peguei o violão, já casada com João, e comecei a cantarolar. João perguntou: “O que é isso?”. “É a música do meu irmãozinho”. “Que interessante”. Foi a primeira vez que ele ouviu Chico.
E hoje? O que você prepara para celebrar sua trajetória?
Foi lançado o Ao vivo no Paço Imperial”, enquanto que o Miúcha, de 1989, foi reeditado. É meu disco de luxo. Gravei com Pablo Milanés em Cuba. Tem Donato tocando trombone, quatro músicas de Guinga com Paulinho (César) Pinheiro. E estou preparando coisas para o cinema.
O que você está fazendo para o cinema?
A Georgiana de Moraes e a Dora Jobim estão querendo fazer um curta comigo: Curta Miúcha. A curtição são as cartas que escrevi. A ideia é fazer um filme a partir dessas cartas. Quando morei na Europa e nos Estados Unidos, escrevia feito doida pra minha família e pros amigos. Tenho sete pastas. Conversei com os irmãos Campana, meus amigos, pra eles bolarem um cenário disso, botar as cartas penduradas como se fosse uma floresta feita delas. Eu vou andando no meio, pego uma por acaso, começo a ler. E a partir daí vamos para essas histórias, e elas são encenadas. E Nelson Pereira dos Santos quer fazer um longa nesse formato comigo. Trabalhei com Nelson nos roteiros dos filmes que ele fez sobre meu pai (Raízes do Brasil) e Tom (A música segundo Tom Jobim). Agora, estou tomando coragem de ler essas cartas. Tem tanta maluquice, leio uns pedaços e fico muito perturbada. São muitas, é chocante, não sei como não virei escritora. De repente, ainda viro.