Brasil: dolor y belleza en la narrativa de Rachel de Queiroz

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Por Francieli Borges

Encontrar beleza e sobreviver quando tudo nos escorre. Sobreviver, ainda. Não posso e nem quero crer que o mal seja a única condição das pessoas. Fiquei presa a tal ideia sinistra, um nó invisível que me apertava, senti o desejo de chorar. Uma imagem triste, horrível. E essa imagem cresce, se anima, arreganha dentes fortes, quer morder – então fecho os olhos, apalpo as órbitas, tateio o couro cabeludo e sinto a pobreza me segurando. Vejo morrer às centenas os retirantes miseráveis de Rachel de Queiroz.

O sentimento agudo e poder de evocação dessa ficcionista conseguiu captar conflitos humanos e sociais em uma produção inigualada, tempos afora, dentro de um ambiente literário brasileiro, àquela altura quase exclusivamente formado por homens. O Quinze, o primeiro livro publicado e do qual referi há pouco, estourou e chamou atenção de críticos e escritores. Ali, além de ser evidenciada a tragédia da seca, há também uma personagem que procura nas leituras sobre a condição das mulheres um caminho para si. Falamos de uma estreia em 1930 e que inaugura, embora timidamente, a indicação que o sofrimento humano tem raízes sociais e de gênero. Não é o velho ataque ao governo que a literatura conhecia e que se renova em bases sólidas, mas o tom de desgraça resultante da corrupção: a animalização de quem pena enquanto há aqueles que se esbaldam. Portanto, nenhuma poetização da pobreza.

Décadas depois e águas roladas da publicação dessa obra, leio com a minha crítica e olhar pagando tributo ao tempo em que estão inseridos, fico às voltas com as consequências de uma realidade política brasileira em um sem fim de morde-e-assopra. Na caracterização enxuta desses tipos sociais, vejo episódios ostensivamente presentes em que a história de uns se convertem na história de todos. Às vezes ficamos tristes, outras, confusos. Aí estamos com as regras que andam na nossa direção faz muitos anos, quer seja nas rugas dos rostos populistas com partidos que seguram a bandeira da salvação de nações inteiras, ainda que continentais; quer seja nos ufanistas carregados em ilusões de possibilidades heróicas e que largam a todos na mão de tropas em sentido – cujos filhotes são autorizados a lançar armas letais contra adolescentes que pagam, sem saber, viagens paradisíacas com a própria merenda. Esse país talvez jamais tenha deixado de engrossar o caldo de intenções autoritárias e golpistas de quem legitima gestos de usurpação conchavados com meios de comunicação servis. Caímos mais ou menos nos sonhos de promessas miseráveis de vez em vez; quando acordamos, passaram décadas de servidão.

Nesse fundo de desolação certas leituras dão febres nos nervos – articulam quadros com cenários bem visuais e sólidos da realidade. De todo modo, bem pior é ignorá-los. Nos esforçamos para florir e nos enternecer, mas como dói.

*Rachel de Queiroz, primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, teve vasta carreira nas letras com ficção, tradução, jornalismo, dramaturgia. O Quinze, sua estreia, cuja primeira tiragem saiu do próprio bolso da autora, foi reeditada e premiada já no ano seguinte. Tal obra octogenária, profundamente amarga, nos chega tão jovem como ao surgir, porque sua matéria não envelheceu.

Publicado en Desacato
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