Proyecto de ley en Brasil busca prohibir obras con símbolos religiosos
Por Luccas Oliveira
Um projeto de lei apresentado pelo deputado Marco Feliciano (PSC-SP) no fim de setembro, que tramita na Câmara dos Deputados em regime de «prioridade», quer proibir a «profanação de símbolos sagrados» em manifestações artísticas — incluindo filmes, shows e jogos — e reforçar a obrigação à exibições e apresentações ao vivo a contarem com classificação indicativa adequada para crianças e adolescentes.
Segundo o texto do PL 8615/2017, «esta Lei modifica o artigo 74 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, para obrigar as exibições ou apresentações ao vivo, abertas ao público, tais como as circenses, teatrais e shows musicais, a indicarem classificação indicativa adequada às crianças e aos adolescentes e proibir que a programação de TV, cinema, DVD, jogos eletrônicos e de interpretação –RPG, exibições ou apresentações ao vivo abertas ao público profanem símbolos sagrados».
Segundo Feliciano, que é pastor da Catedral do Avivamento, ligada à Assembleia de Deus, o projeto incluiria símbolos sagrados de todas as religiões:
— O que for sagrado para uma pessoa, será contemplado. Já existe uma lei que proíbe a profanação de imagens sagradas. Por isso, não seria censura. O problema é que a lei não é observada. Não dá para dizer que é arte quando alguém pega um crucifixo e coloca no ânus. Em uma exposição, outro dia, um indivíduo pegou a imagem de Nossa Senhora, que é adorada por 80% da população brasileira, a colocou sobre seu órgão genital e depois a triturou. Isso é um absurdo. Por muito menos um pastor teve que sair do país porque chutou uma imagem de Nossa Senhora.
Questionado se um jogo histórico que retratasse Maomé, por exemplo, seria proibido, o deputado lembrou o ataque ao jornal satírico francês «Charlie Hebdo», em janeiro de 2015, quando doze pessoas foram mortas:
— Meu projeto visa que se coloque limite em tudo. No caso do «Charlie Hebdo», fizeram uma brincadeira como uma imagem sagrada, de Maomé, e resultou na morte de muitas pessoas. Existem super-heróis, jogos de ação… Por que tocar naquilo que é sagrado para as pessoas? Claro, o projeto é muito abrangente. Quando você cria um projeto, você lança a ideia para abrir um debate. Os jogos de RPG, por exemplo, eu incluí mais pela questão da faixa etária.
‘UM PAI OU UMA MÃE DESSA DEVERIA PERDER A GUARDA DA CRIANÇA’
Sobre a parte do PL que fala sobre a classificação indicativa, Feliciano foi avisado que as manifestações artísticas citadas no texto supracitado — «exibições ou apresentações ao vivo, abertas ao público, tais como as circenses, teatrais e shows musicais» — já recebem classificações por faixa etária. O deputado rebateu:
— Não adianta ter leis e não serem executadas. A função do parlamentar é chamar a atenção da sociedade para o que é banalizado. Nem todos os shows e exposições são contempladas com o que já existe na lei. Meu projeto, o 8615, está atrelado junto com outros 15 na PL-2134, que é de 1996, que por sua vez está ligado a outros 30. Estou entrando com um pedido para que o meu projeto caminhe sozinho, sem estar apensado a outro.
Sobre o caso específico da performance «La bête», parte do “35ª Panorama da Arte Brasileira – 2017”, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), a reportagem lembrou ao deputado que o público era avisado sobre a nudez do artista Wagner Schwartz e que o MAM sinalizou a classificação indicativa do ato. Ou seja: os menores que lá estavam, o fizeram com aval dos seus responsáveis.
— Pior ainda! — bradou Feliciano. — Em um caso como esse, alguém tem que ser punido. O pai ou a mãe deveria perder a guarda da criança. Aqui em Brasília, está tendo uma exposição em que crianças tramitam sem qualquer indicação do conteúdo, afinal, «a arte é para todos». Eu não quero censurar a arte, quero censurar o abuso infantil.
Na opinião do deputado, porém, a famosa escultura de Michelangelo, que retrata o herói bíblico Davi, nu, e está exposta na Academia de Belas Artes, em Florença (ITA), não deveria ser censurada, mas classificada:
— A arte existe para despertar o lado crítico. Michelangelo pegou uma pedra bruta séculos atrás e transformou em uma imagem perfeita. É diferente de um cidadão aparecer nu, apoiado pela Lei Rouanet, em um museu. Isso é um ato criminoso. O corpo é feito de matéria, então o cidadão poderia ter uma ereção, certo? Não se pode comparar arte com lixo. Arte é uma coisa bonita, que precisa de fato de habilidades diferentes. Que habilidade existe em alguém que deita nu? Isso não é arte, é depravação. Mas tem umas pessoas que acham que são mais inteligentes que eu, botam um cidadão vomitando em uma tela e chamam de arte. Isso é coisa de débil mental.
Publicado en OGlobo
Artistas locais repercutem novo projeto de lei de Marco Feliciano
O deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) voltou a ser assunto nas redes sociais por causa do seu novo projeto de lei, a PL 8615/2017. O texto fala sobre classificação indicativa para apresentações ao vivo e sobre proibir a “profanação de símbolos sagrados”.
Até aí tudo bem, mas o que deixou muita gente com a pulga atrás da orelha é que o texto do projeto de lei (que pode ser lido aqui) é bastante vago. O que estaria classificado como profanar um item sagrado? E isso vale para todas as religiões? Ou ele está falando só de símbolos e objetos cristãos?
Outra dúvida é que o Brasil já possui lei contra a intolerância religiosa e regulamentação de classificação indicativa para todos os produtos de entretenimento, incluindo filmes, jogos, apresentações teatrais e shows. Se estas leis já existem, o que a nova PL muda exatamente ou agrega? A esta altura, o texto não dá respostas claras.
A proposta repercutiu nas redes sociais pois, por ser vaga, poderia levar inclusive à proibição de shows internacionais no Brasil. Artistas como Madonna, Lady Gaga, Iron Maiden, Ghost e tantos outros com canções que de alguma forma falam ou questionam a religião poderiam ser barrados.
Porém, no próprio texto, o deputado declara que seu objetivo não é a censura, e sim oferecer um maior controle e clareza aos pais sobre o conteúdo de entretenimento a que seus filhos podem ser expostos. Naturalmente, esta pulga atrás da orelha está causando coceira também entre os artistas locais que, de modo geral, esperam um texto mais claro e que se posicionam veementemente contra qualquer tipo de censura.
“É como chover no molhado”, disse o ator e mestre em Performances Culturais, Rodrigo Peixoto. Ele ressalta que já existem leis postas e que um dos papéis fundamentais da arte é ser livre para fazer críticas: “A arte estremece o chão da moralidade, dos princípios torturantes e impostos, sendo assim, há tempos, ela foi declarada como inimiga dessa classe de pessoas. Por que isso? Porque é mais fácil tratar dos alienados com pão e água do que vê-los contestando supremacias. O pensamento é forte e mortal, por isso deve ser aprisionado”.
Peixoto chama o projeto de “ditatorial” e o vê como uma forma de impor barreiras à criação artística. Para ele, a classe artística precisa se unir, pesquisar, produzir e questionar: “para ser capaz de agir por esse pensamento, em um contexto social que vem sendo amordaçado, a arte deve e precisa ser realizada com muita pesquisa e dedicação para se fortalecer diante das imposições. Artista que não se mune do estudo não merece ser chamado de artista”.
“A arte deve ser livre, sempre”, disse o ator e professor de teatro Luiz Eduardo Carneiro. Em suas palavras, a PL lhe parece “preocupante” e que pode assinalar retrocesso no campo artístico. Ele destaca que questionar e incomodar os poderes postos é um papel importante da arte e não apenas diversão ou beleza: “Na sua essência, a arte não é simplesmente puro entretenimento ou é somente usada para a decoração de um ambiente. Ela tem a finalidade de provocar, trazer reflexões, mudar pensamentos, estimular uma saída da zona de conforto. Incomoda, mas é essencial para o desenvolvimento do pensamento humano”.
Carneiro concorda sobre a classificação etária, mas se sente preocupado com o quão o texto é vago sobre o que seria profanação e sobre proibição. Ele teme que, do jeito que está, a lei possa dar vazão para um retorno da censura: “O que é preocupante na proposta deste novo PL, caso seja aprovado, é que pode significar um passo para o perigoso retorno da censura, que compromete as produções artísticas e culturais”.
Tão vago, que ele até questiona se a lei valeria para outras religiões: “Mas o que dizer dos atos de quebrar imagens de santos e destruir templos de religiões afro descendentes? O fato é que existe muita hipocrisia, quando se demoniza a arte e as diversidades, em favor da ‘moral e dos bons costumes’”, finaliza.
Naturalmente, a PL também preocupa os músicos, especialmente as bandas de rock, que tradicionalmente sempre foram mais questionadoras. “Pra alguém que quer transparecer tanto uma visão plural que não apoia a censura ele fala muito em controle”, disse Fábio Marques, da banda Atomic Winter. Como Luiz, ele concorda sobre, quem sabe, uma melhor classificação indicativa: “A parte em que fala sobre a classificação indicativa vai bem, desde que a decisão caiba aos pais, a classificação indicativa pode sim ajudar na escolha”.
Como os demais entrevistados, a zona cinzenta ao redor do que seria profanação é que lhe preocupa: como vai ser definida a linha entre o que é crítica e o que é ofensa? “Onde estão definidos os símbolos sagrados? Onde está definido o conceito de profanação? Isso não é a censura que linhas atrás era repudiada? Se o pastor está cumprindo seu papel de cristão não estaria ele se referindo exclusivamente a seus símbolos em detrimento de tantos outros?”, questiona.
“Ser artista no Brasil nunca foi uma tarefa fácil, porém a dificuldade vem crescendo a cada dia”, disse Filipe Aguirre, da banda Mellow Buzzards. Ele acredita, assim como Luiz, que o perigo maior é levar à censura: “O projeto de lei do Feliciano segue uma linha de pensamento conservador que vem dando as caras no país nesses últimos tempos, tudo que vem acontecendo ultimamente em relação a arte cheira a censura”.
Para ele, é fundamental que a classe artística proteste e que faça valer a liberdade de expressão dos artistas: “É preciso bater de frente e lutar contra essa imposição religiosa e conservadora em um país que supostamente é laico”.
A PL agora está na Coordenação de Comissões e Permanentes ainda sem previsão de quando será encaminhada para a Câmara de Deputados para ser votada. Ainda é um longo caminho que irá polarizar muitos debates entre arte e censura.