Literatura y dictadura

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Política na ficção: entrevista com quatro autores brasileiros

Qual é a função da literatura? Independente de qualquer tipo de teoria conflitante, é inegável a capacidade que a ficção tem de nos levar a diferentes experiências. Da fantasia à História, vivemos e relembramos momentos para, se a leitura for boa, aprender a viver melhor. Como o momento atual pede, mergulhei em livros sobre a ditadura e a Era Vargasno Brasil para repensar a democracia no país e conversei com os autores para entender como a ficção impacta na política e vice-versa.

 

azulcorvo
AZUL CORVO, Adriana Lisboa
Editora Alfaguara
304 páginas
R$47,90
2014

CartaCapital: Você pode falar um pouco do seu livro e por que você quis contar uma história de ditadura?
Adriana Lisboa: Penso no «Azul corvo» como um livro sobre a busca de um lugar no mundo, no sentido geográfico e afetivo. Um dos personagens é um ex-guerrilheiro, que participou da luta armada no Araguaia. Nasci em plena ditadura, e cresci no silêncio oficial que cerceou o país durante muito tempo. Voltar a essa época através da escrita também foi, para mim, a recuperação de parte de um passado pessoal e coletivo, e a possibilidade de compartilhar tudo isso com leitores das novas gerações – é fundamental que a história não ande para trás, e para isso precisamos conhecê-la e refletir sobre ela. Como é que alguém pode, hoje, dizer que “no tempo da ditadura é que era bom”? Isso é de uma falta escandalosa de consciência histórica.

CC: Qual a importância de se usar a ficção pra discutir política e você acha que a literatura tem função social?
AL:
 Acho que o primeiro compromisso da literatura é para consigo mesma, e que ela precisa transcender o circunstancial, mesmo que parta dele. Ou seja, tudo bem discutir política, mas é possível falar de questões relevantes ao nosso tempo – o conceito de liberdade, por exemplo – de várias maneiras. É na medida que põe em cheque as nossas convicções e expõe as nossas contradições, na minha opinião, que a literatura tem uma função social fundamental. Virginia Woolf, Machado de Assis e Octavio Paz escreveram para nós e para o nosso tempo também.

CC: Qual a mensagem que você gostaria que o seu livro deixasse para esse momento que vivemos?
AL: Sou cidadã de dois países (Brasil e Estados Unidos) que vivem uma crise ética e política aterradoras, e que se inserem também num contexto global de crise profunda. Precisamos lembrar, ouvir, perguntar, problematizar. Gostaria que meu livro colaborasse para isso, que pudesse servir como espaço de reflexão sobre o outro, sobre nossas relações com o outro e com nosso próprio passado. “No combate entre você e o mundo, prefira o mundo,” escreveu Kafka. Essa é a única cura, na minha opinião, para o individualismo pavoroso que vivemos, para a anestesia diante do sofrimento alheio.

umamulhertransparente

UMA MULHER TRANSPARENTE, Edgard Telles Ribeiro
Editora Todavia
128 páginas
R$44,90
2018
CartaCapital: Você pode falar um pouco do seu livro e por que você quis contar uma história de ditadura?
Edgard Telles Ribeiro: «Uma mulher transparente» completa uma trilogia (tenuemente conectada e cujos livros podem ser lidos em qualquer ordem) sobre a ditadura militar brasileira (1964-85), encerrando um ciclo iniciado com «O punho e a renda» (Record, 2010) e continuado por «Damas da noite» (Record, 2014). Em «Uma mulher transparente», o tema da impunidade a unir os três livros retorna de forma particularmente aguda, ainda que, aqui, a história tenha uma raiz em mistérios de outra natureza –– e no horror de que foi vítima a personagem central.

CC: Qual a importância de se usar a ficção para discutir política e você acha que a literatura tem função social?
ETR: Quando a investigação sobre determinadas realidades de nossa História recente esbarra em muros intransponíveis e silêncios oficiais, cabe à ficção recriar essas realidades de forma dramática, jogando assim uma luz sobre tragédias que poderão ter sido sepultadas –– mas que nem por isso foram esquecidas. Nesse sentido, sim, a literatura, como bandeira da consciência de todo artista que se preza, tem uma função eminentemente social.

CC: Qual a mensagem que você gostaria que o seu livro deixasse para esse momento que vivemos?
ETR: A democracia e a liberdade são conquistas diárias. E não apenas, como se vê em determinados países do Primeiro Mundo, nas regiões mais pobres do planeta. Achar que essas conquistas não sofrem assédios diários das mais variadas procedências é mera ilusão. E a literatura, ao lado do teatro e do cinema, estão entre as artes mais eficazes nessa batalha constante.

cabodeguerra

CABO DE GUERRA, Ivone Benedetti
Boitempo Editorial
304 páginas
R$54,00
2016
CartaCapital: Você pode falar um pouco do seu livro e por que você quis contar uma história de ditadura?
Ivone Benedetti: Uma noite, no último andar do último sobradão de uma parte do Bixiga em demolição, quando a ditadura se esbaldava no seu «milagre econômico» por cima dos cadáveres dos meus amigos, naquela noite, com a cara cheia de vinho espanhol que o anfitrião despejava em nossas taças para se despedir da casa onde tinha constituído família e deixar passar um daqueles infames viadutos, naquela noite, olhando o cenário dos momentos mais emocionantes da minha vida, eu disse ao meu companheiro daquela hora doída: um dia ainda vou contar a história destes tempos e deste lugar. «Cabo de guerra» é só um pedaço dessa história, construído daquela maneira típica da ficção, que é contar mentiras para dizer verdades.

CC: Qual a importância de se usar a ficção pra discutir política e você acha que a literatura tem função social?
IB: Não acho que a ficção deva ser usada para discutir política. A ficção usada nesses termos é má ficção. Acho que a política tem lugar na ficção porque a ficção serve para consubstanciar vivências individuais e coletivas, vivências que são de infinitos teores, inclusive políticos. Porque política e subjetividade têm elos labirínticos, e descobrir os seus caminhos é uma das atividades que mais me instigam. Não consigo ver o ser humano desvinculado do seu meio, e não consigo ver o meio desvencilhado da ação de cada ser.

CC: Qual a mensagem que você gostaria que o seu livro deixasse para esse momento que vivemos?
IB: Quando escrevi esse romance, estive o tempo todo consciente de que fazia uma síntese dos conflitos que percebia em meus compatriotas, não só entre lutadores de esquerda e reacionários do momento, mas também no íntimo de cada um deles, na roupagem de personagens. Pois bem, até 2012, quando escrevi sua última linha, eu não sabia que aqueles conflitos sobreviveriam ao verdadeiro holocausto que se instalou neste país a partir de 1968 e durou quase dez anos. Sobreviveram. Estão aí, reencarnados em zumbis que antes assombravam apenas, mas, a partir de 2016 ou, quem sabe, de 2014, brotaram de seus túmulos e tomaram conta da «cidade», numa versão (agora) trágica do «Incidente em Antares». Sem que eu soubesse, meu romance falava de algo que extravasava, e muito, de dado período de nossa história. Quanto mais penso, mais percebo que nele ainda estamos.

ultimahora

ÚLTIMA HORA, José Almeida Júnior
Editora Record
352 páginas
R$44,90
2017

CartaCapital: Você pode falar um pouco do seu livro e por que você quis contar uma história na Era Vargas?
José Almeida Júnior: O livro conta a história da criação da Última Hora, fundada por Samuel Wainer. O jornal surgiu, com apoio de Getúlio Vargas, para fazer um contraponto à grande imprensa, que fazia oposição ao presidente. Marcos, o protagonista, é um jornalista comunista torturado pela a ditadura Vargas nos anos 30, que vai trabalhar na Última Horaem virtude de problemas financeiros. Vivendo o dilema de trabalhar num jornal que apoia Getúlio Vargas, Marcos acompanha a Última Hora desde a fundação até as crises que quase levaram ao seu fechamento. O livro também mostra, no ponto de vista do personagem de ficção, o governo Vargas, com suas virtudes, contradições e crises, que culminaram com o suicídio do presidente. Quis contar a história de Marcos, porque queria compreender o comportamento de uma pessoa de esquerda, torturada no período ditatorial, durante o governo democrático de Getúlio Vargas, que deixou herdeiros políticos, como Jango e Brizola, e influenciou parte da esquerda atual com seu trabalhismo.

CC: Qual a importância de se usar a ficção pra discutir política e você acha que a literatura tem função social?
JAJ: A ficção é um espaço amplo para discutir questões existenciais, familiares e também políticas. A literatura não tem as amarras da Ciência Política e da História, de modo que escritor tem liberdade para contar a sua versão de um período histórico do ponto de vista de uma pessoa comum. Dentro do universo ficcional da literatura, o leitor pode compreender melhor as questões políticas e suas consequências na vida dos sujeitos que vivenciaram a época. A literatura pode ter uma função social, na medida em que agrega conhecimento ao leitor. Mas não acho tenha o objetivo obrigatório de despertar uma causa. A literatura é uma arte e deve ter o compromisso apenas com a arte.

CC: Qual a mensagem que você gostaria que o seu livro deixasse para esse momento que vivemos?
JAJ: Quando tramitava o processo de impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, eu estava escrevendo as cenas de “Última Hora” em que Vargas passava por uma crise institucional que culminou com seu suicídio. Muitos fazem a comparação do momento de hoje, em especial do impeachment de 2016, com golpe de 1964. Mas, se analisarmos dez anos antes, percebemos que se assemelha mais a 1954. Em 1964, o principal mote para a derrubada de Jango foi o do combate ao comunismo, ainda que também se falasse em corrupção. Em 1954, o discurso anticorrupção foi o eixo principal para a derrubada de Getúlio Vargas. Após o atentado da rua Tonelero, a crise se aprofundou e um sistema de justiça foi montado pela Aeronáutica para apurar os crimes. A investigação teve o apoio da grande imprensa e começou a atropelar procedimentos legais. O momento ficou conhecido como República do Galeão. Da mesma forma, fala-se hoje em República de Curitiba. Depois descobriu-se que, após 19 anos comandando o Brasil, Getúlio Vargas não havia se enriquecido às custas do dinheiro público, deixando apenas um apartamento no Rio de Janeiro e umas terras em São Borja recebidas de herança de seu pai. Mas prefiro que cada leitor tire sua própria mensagem a partir da leitura e do universo ficcional construído na sua mente. Depois que vai para as livrarias, não se tem mais controle sobre o livro. A obra é muito maior do que o autor.

Publicado en CartaCapital
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