Brasil: se fue Rogério Duarte, el creador de la estética tropicalista

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Um dos mentores intelectuais da Tropicália, Rogério Duarte morreu na noite desta quarta-feira, no Hospital Santa Lúcia, em Brasília. Ele lutava contra um câncer ósseo e no fígado e estava internado há quase dois meses em Brasília segundo seu site oficial. O enterro será realizado na cidade de Santa Inês (BA).

No ano passado, em entrevista ao GLOBO sobre a mostra “Marginália 1”, que celebrou sua obra no Museu de Arte Moderna do Rio, Rogério Duarte sintetizou numa frase sua trajetória:

— Desculpe a imodéstia, mas seria impossível fazer uma exposição completa do meu trabalho.

Estava ali o autoelogio recorrente em suas falas. Mais que um sinal de vaidade, o que se mostrava era um reconhecimento justo de sua importância como o artista gráfico autor de obras icônicas como o cartaz do filme “Deus e o diabo na terra do sol” (1964) e das capas dos álbuns tropicalistas de Caetano Veloso e Gilberto Gil — um dos mentores do movimento, ele esteve entre os intelectuais mais influentes da contracultura da década de 1960, referência para mentes como Zé Celso Martinez Corrêa, Glauber Rocha, Hélio Oiticica e Torquato Neto, além de Caetano e Gil.

Apelidado de Rogério Caos na época, tido como “o gênio por trás dos gênios” da Tropicália, atuante também no meio das artes plásticas e do Cinema Novo, suas atividades se desdobravam entre poeta, tradutor, professor universitário, músico e compositor. Portanto, quando dizia que “seria impossível fazer uma exposição completa do meu trabalho”, ele não se afastava da verdade.

Nas capas de discos, Duarte trabalhou ainda com Jorge Mautner, Gal Costa, Smetak e João Donato, entre outros. Ao comentar a morte do amigo, Mautner usou uma frase atribuída a Fernando Pessoa: “Mesmo indo embora, eu fico, eu fico!”:

— Foi poeta, profeta e artista — descreveu. — Além das artes plásticas e das capas de disco, a presença dele como filósofo e pensador influenciou muito todo o grupo.

Curador da mostra “Marginália 1”, o designer alemão Manuel Raeder afirmou na época da inauguração que, “de alguma forma, Rogério Duarte inventou a estética da Tropicália”.

— Eu me tornei um designer mais ou menos notável porque produzi muito, durante muitos anos, e, claro, algumas coisas ficaram icônicas — disse Duarte em 2015. — Eu tinha a noção de que o que estava fazendo era muito pioneiro. Com exceção, talvez, do cara da Elenco (o capista César Villela), o que existia era o desenhista tradicional, que trabalhava com reprodução de artesanato, com o pictórico misto. Eu parti direto para a linguagem do design, que é o quadrinho, a retícula, a fotografia. Algo bem mais pop.

Como compositor, teve em 2012 uma canção gravada por Caetano — “Gayana”, do álbum “Abraçaço”, incluída na trilha da novela das seis da TV Globo “Joia rara”. Naquele ano, Caetano declarou a respeito de Duarte que “o conjunto de suas atividades não pode prescindir da mensagem perene de atirar-se à margem da margem”.

— Essa atitude existencial dá cor especial a cada trabalho, a cada gesto de Rogério — completou o autor de “Alegria, alegria”.

TORTURADO EM 1968

Nascido no interior da Bahia, na cidade de Ubaíra, em 1939, Duarte era sobrinho do educador Anísio Teixeira. Na década de 1960, veio para o Rio para estudar e morou num quarto do famoso Solar da Fossa, em Botafogo. Em plena ditadura, se embrenhou na vida cultural — e, consequentemente, política — da cidade. Em 1968, ao lado de seu irmão Ronaldo, foi sequestrado por militares logo após a missa de sétimo dia do estudante Edson Luís. Foram torturados por dez dias, com choques elétricos e afogamentos. Sua ficha no Serviço Nacional de Informações testemunha o pensamento obscuro do regime, ao ligar a ideia de arte automaticamente ao crime: “elemento de esquerda, assim como o irmão Ronaldo, ligado às atividades de artes plásticas”.

A notícia da prisão dos irmãos Duarte, uma das primeiras denúncias contra a tortura cometida pelo exército, provocou abalos na opinião pública pré-AI-5. Narrando o episódio no relato “A grande porta do medo”, ele escreveu: “Sim, eles queriam que eu os visse e que os negasse para atingirem a condição de Deus”.

A perspectiva divina passou a ser bastante presente no pensamento de Duarte a partir da década de 1970, quando se tornou hinduísta. Isso o levou ao estudo de sânscrito — é dele a primeira versão direta para o português do épico hinduísta “Bhagavad Gita”, publicado nos anos 1990 pela Companhia das Letras. Um disco, lançado em 1998, trazia versões musicadas de trechos do livro gravadas por artistas como Gil, Gal Costa, Tom Zé, Chico César, Lenine, Arnaldo Antunes e Elba Ramalho.

Duarte traduziu ainda “Gitagovinda”, poema medieval de Jayadeva Goswami que narra os passatempos sexuais de Krishna às margens do Rio Jamuna.

— É absolutamente necessário que nossa mente suja ocidental seja lavada pelas águas eróticas do Rio Jamuna, para a gente entender que sexo é a coisa mais nobre e sublime — disse Duarte ao GLOBO em 2012.

Publicado en O Globo

Ícone das artes visuais, Rogério Duarte morre aos 77 anos em Brasília

Ícone das artes visuais e um dos mentores da Tropicália, o artista gráfico, músico e poeta baiano Rogério Duarte morreu às 21h de quarta-feira (13), aos 77 anos, no Hospital Santa Lúcia, em Brasília.

Ele estava internado há quase dois meses e lutava contra um câncer ósseo e no fígado. A informação foi confirmada por sua família na página do artista no Facebook.

Rogério Duarte também foi autor de vários cartazes para clássicos do cinema nacional. Seu trabalho mais célebre foi para «Deus e o Diabo na Terra do Sol», de Glauber Rocha.

O trabalho virou um marco no design brasileiro e é apontado como o despertar da pós-modernidade no país. Em entrevista ao UOL em 2014, na época do 50° aniversário do filme, Duarte lembrou que «livros, teses e o Diabo a quatro» haviam sido escritos sobre o pôster. «Esse cartaz virou minha cruz. Até hoje ficam me ligando para falar dele.» E desafiou a reportagem: «Cite algum outro filme brasileiro cujo cartaz teve a mesma importância. Diga aí algum de que você se lembra pelo cartaz. Embora haja bons cartazes brasileiros, nenhum foi tão marcante».

Seu trabalho nas artes visuais rendeu capas marcantes de discos nos anos 1960 e 1970, como «Cantar», de Gal Costa, «4», de Jorge Mautner, «Lugar Comum», de João Donato, e os primeiros trabalhos de Gilberto Gil e Caetano Veloso.

Era também era músico e compositor, tendo colaborado com Gil («Cultura e Civilização») e Caetano («Gayana»).

Em seu Facebook, Caetano Veloso lamentou a morte do artista. «A mente de Rogério Duarte era uma universidade rebelde. Minha formação se deu grandemente no contato com ela. Sua visão era desafiadora e, por isso mesmo, contraditória», disse. «Ele não temia enfrentar o caos. Um gênio brasileiro. Necessariamente desenvolvido informalmente e destinado à não realização e ao não reconhecimento. Rogério encarou discussões acadêmicas de alta complexidade sem ter sequer o curso colegial completo», analisou.

Sua produção era constantemente estudada na Europa, e ganhou exposição em 2014 na Bienal da Bahia. Em 2015, o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro sediou a exposição «Marginália 1», com curadoria do alemão Manuel Raeder. Os problemas de saúde de Rogério à época o impediram de participar do lançamento.

Da ditadura à fase transcendental

Rogério Duarte nasceu em Ubaíra, interior da Bahia, em 1939. Sobrinho do sociólogo Anísio teixeira, o artista gráfico logo se mudou para o Rio de Janeiro para estudar arte industrial com o alemão Max Bense, um dos mestres da semiótica e da poesia concreta, o que influenciaria seu trabalho no futuro.

Na época, foi um dos primeiros a denunciar publicamente a tortura no regime militar. Preso juntamente com seu irmão Ronaldo Duarte, o caso mobilizou artistas e ganhou ampla divulgação no jornal carioca «Correio da Manhã», que publicou uma carta coletiva pedindo a libertação dos «Irmãos Duarte».

Com o endurecimento da ditadura, Rogério iniciou a sua fase «transcendental» que o levou a estudar o sânscrito e iniciar a tradução do «Bhagavad Gita», lançado por ele anos mais tarde.

Publicado en UOL

 

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