Tom Zé: 80 años y nuevo disco

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(Foto: Leticia Moreira/Folhapress)

Por Giuliana de Toledo

A noite desta terça (30) em São Paulo será de «versinhos de molequeira» guardados há quase sete décadas. Assim Tom Zé, 77, se refere às músicas que compôs enquanto descobria o que era sexo na sua Irará, cidade do interior da Bahia, na década de 1940.

«Esse tempo em que eu nasci ainda era Idade Média em Irará», ri o cantor.

Puxadas da memória e reformuladas, essas composições, a maior parte inéditas, estarão agora no show «Canções Eróticas para Ninar», que estreia no Bourbon Street nesta noite. Tocará acompanhado por Daniel Maia (guitarra e vocais), Felipe Alves (baixo e guitarra) e Jarbas Mariz (percussão, cavaquinho, violão 12 cordas e vocais).

«Nunca tinha pensado nisso, mas, quando me convidaram para fazer o show lá, um bar noturno, que é o caso de se dizer que fica mais liberado para qualquer coisa, eu me lembrei dessas canções», conta, tendo à frente a letra de «Dedo» (começa com «Ôôô, menina, para o seu tédio, vai o meu dedo médio»).

«Neusa [Martins, sua mulher] falou contra o show. Ela não gosta.» Minutos depois, Neusa aparece na sala do apartamento, em Perdizes. «Você conseguiu fazer ele não tirar a roupa?», pergunta à repórter fotográfica Leticia Moreira. Tom Zé só ri. Já era. «Ah, tem dó. Se tem um homem assanhado, é esse. Larguei de mão», ri Neusa.

Minutos antes, no quarto, ele se despia rapidamente para ser fotografado para esta reportagem. A «Playboy» com a atriz Mel Lisboa na capa –sex symbol descoberto na minissérie «Presença de Anita» (2001)– fez as vezes de tapa­sexo. «Sou fiel à Mel Lisboa há mais de dez anos. A revista está bem cuidada.»

Passadas as fotos, no entanto, Tom Zé lembra da juventude recatada. «Em Irará, não tinha revista de mulher nua, não tinha nada. Nem de mulher vestida, que já ajudaria bastante, né?», gargalha.

«Cresci com ideias absurdas. Quando tinha 15 anos, fiquei amigo de um rapaz chamado Fernando. A gente estava tendo uma ‘conversa de homem’ e ele disse que queria se casar para ‘não viver em pecado’. Daí entendi que as pessoas que se casavam trepavam. Lembro que, quando cheguei em casa, pensei ‘meu pai e minha mãe…’.»

URGÊNCIA DIDÁTICA

Daí a chegar a ser o cantor que lançou, em 1973, o disco «Todos os Olhos», estampando na capa a fotografia provocativa de um ânus segurando uma bola de gude –ideia do amigo Décio Pignatari (1927­2012)–, Tom Zé foi se soltando na base das conversas que pescou aqui e acolá.

«Naquela época, as pessoas diziam muitas coisas de sentido duplo. Era como uma urgência didática para tentar preparar o sujeito para quando a libido chegasse. Mas isso era uma formação terrivelmente deficiente.»

Na sua cidade, também prestava o serviço «didático» uma tal de Maria Bago Mole, tema de uma das canções.

«Ela era uma espécie de primeira experiência oficial para quase todo menino. Não era uma prostituta. Era uma senhora de seus 40 anos, se vestia como uma pessoa da roça, com aquelas saias compridonas e tal.»

«Não tive a oportunidade de ser beneficiado por ela, mas vi como era a estratégia. Ela passava a chamar o menino de senhor, tirava uma fina’ e acabava comendo a criança», lembra.

Na apresentação, promete ser uma das músicas mais animadas. «Vou pedir para as pessoas cantarem junto. Todo mundo já teve uma Maria Bago Mole ou um Mário Bago Mole, que ajudou numa hora tão difícil!»

Inicialmente, só com essa data marcada para o show, Tom Zé espera medir em momentos como esse a reação do público. A depender do sucesso, diz, pensará em seguir com a ideia, ou mesmo em criar um disco sobre o tema. «Pode acontecer tudo. Tenho que correr o risco. Vou cheio de dúvida, cheio de medo.»

Publicado en Folha de S.Paulo

 


‘O meu coração já está maringando’, avisa Tom Zé, que faz show no sábado

Antônio José Santana Martins é um gênio. Poucos ousaram e transgrediram e liricizaram tanto quanto Tom Zé. Aos 79 anos, o cantor e compositor baiano gravou discos antológicos, como «Todos os Olhos» (1973) e «Estudando o Samba» (1976), compôs contra a ditadura e «experimentalizou» o rock, a Tropicália, o samba, a bossa nova, o pagode, sustentando as bandeiras da ironia, do humor e da poesia. No próximo sábado, a lenda viva da música brasileira participará em dois momentos da 3ª edição da Festa Literária Internacional de Maringá (Flim), com uma palestra pela manhã, às 10h30, e um show à noite, às 21h, sempre no Centro de Convivência Renato Celidônio, anexo ao Paço Municipal.

Tom Zé virá acompanhado por sua banda de apoio – a participação dele no evento literário foi viabilizada pela Viapar. Ao Diário, Tom Zé diz que não toca por aqui há cerca de 26 anos, relembra a importância de David Byrne (que o livrou de ser frentista) e Euclides da Cunha (que o fez chorar e tremer), e revela invejar os cantores sertânicos que assolam as programações radiofônicas. Num papo por telefone – ou num disco ou num palco -, três únicas palavras definem Tom Zé: gênio, gênio, gênio.

P.— O que podemos esperar desse seu show em Maringá?

R.— Olha, eu estava comentando aqui: finalmente, vou voltar a Maringá. Que sau-da-de (e pronuncia como se estivesse a cantarolar «Augusta, Angélica e Consolação»)… Me lembro quando toquei aí pela última vez, depois de 1990. Foi uma doçura, uma alegria, uma festa. Nesse retorno, tenho que fazer um monte de canções. «Augusta, Angélica e Consolação», claro, que é minha música caipira de São Paulo, e todo mundo canta em todo canto do Brasil e até do exterior, além de algumas coisas mais experimentais, mas nada metido à besta e que o público não possa entender. Quando faço música experimental, faço de uma forma que ela possa ser inteligível para qualquer mentalidade brasileira. Por favor, diga isso para toda a cidade: eu tô louco de vontade de tocar aí. O meu coração já está maringando.

P.— David Byrne ficou espantando ao conhecer seu som e sua repercussão, em plenos anos oitenta, afirmando: «Que país é esse, que tem um artista assim e que tão poucos conhecem?» Hoje, o senhor acha que tem o reconhecimento que merece?

R.— Ah, tô muito contente com o reconhecimento que tenho, tô felicíssimo. Respeito em todo lugar, teatro cheio, Deus é muito generoso comigo.

P.— O senhor que é muito generoso com seu público…

R.— Olha, disso você tem razão, viu?! Porque eu gosto é da humanidade. Meu primeiro trabalho foi o balcão da loja de meu pai, lá em Irará (distante 106.08 km de Salvador, na Bahia), atendendo os homens da roça. Descobri o gosto de passar o tempo com aquelas criaturas. Eles falam uma outra língua, a de Guimarães Rosa, no «Grande Sertão: Veredas». Até hoje, imito muito aquele mundo deles.

P.— Guimarães Rosa foi importante para a sua formação intelectual?

R.— Mais do que Guimarães, Euclides da Cunha. Quado você mora longe, no interior da Bahia, a gente pensa que nada no mundo sabe da nossa existência. Quando lia «Os Sertões», fiquei desconfiado: ‘Será que Euclides está falando desse povo? Dessa minha região?’ Quando chegava ao final do livro, eu estava no terceiro ano do colégio, naquele castigo de só fazer as provas, e a leitura foi me deixando cada dia mais interessado, excitado, e me dei conta que Euclides estava falando de nós mesmos. Rapaz, eu chorava e tremia! E saiba uma coisa: chorar e tremer, naquele tempo, não dava audição na televisão. Se minha mãe me pegasse daquele jeito, pensaria que eu estava maluco. Euclides da Cunha é uma coisa divina, maravilhosa.

P.— Quando o senhor lançou o «Estudando o Samba», o álbum passou em branco aqui no Brasil. Anos depois, foi louvado nos EUA como um dos grandes discos já feitos na história da música. Como explicar essa recepção desigual?

R.— Às vezes a gente faz o disco antes do tempo dele. Eu já ia largar a música: estava certo de que iria tomar conta do posto de gasolina do meu sobrinho. Quando David Byrne lançou o álbum no mercado internacional, eu passei, finalmente, a ser procurado. Aqui, poucos falam no «Estudando o Samba». Mas, nos Estados Unidos, falam desse disco até hoje, os artistas todos me cumprimentam, notam as coisas experimentais que há nele.

P.— O senhor já ouviu o tal sertanejo «universitário» dessa turma do Luan Santana, Fernando & Sorocaba?

R.— Desses dois já ouvi, sim, e gostei. Não sou reacionário nem contra as novidades que surgem. Eu tenho é inveja deles!

P.— Inveja dos cantores sertânicos?!

R.— Claro! Eu presto atenção à maneira que o coração do ouvinte se liga àquele texto, na palavra certa que esses cantores usam para chegar às massas. Toda geração tem a obrigação de compreender seu tempo para fazer a antítese dele, seja com música caipira, com rap, rock, com qualquer coisa. Cada geração vai reinventando tudo. É natural, é riqueza. Eu não tenho esse negócio de que sou melhor do que os outros, não. Eu sou o pior de todos!

P.— «Canções Eróticas para Ninar», seu novo álbum, está previsto para ser lançado neste mês. Há alguma possibilidade de você tocar alguma música inédita no show?

R.— Talvez eu até toque uma ou outra canção. Nesse meu disco, tomei muito cuidado com as letras, para jamais ofender a mulher, jamais desrespeitá-la nessas canções eróticas. Foi uma luta fazer esse disco, viu? Custou-me as fibras dos nervos.

TOM ZÉ
Quando 17/9

BATE-PAPO
Tema «A música e o trabalho literário de Tom Zé»
Horário 10h30
Onde Auditório Flim, no Centro de Convivência Renato Celidônio, anexo ao Paço Municipal
Mediação Marcelo Bulgarelli

SHOW
Horário 21h
Onde Tenda de Circo, no Centro de Convivência Renato Celidônio, anexo ao Paço Municipal

Publicado en Viva Maringa
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