Diálogo entre el cine y reformas urbanísticas en Río de Janeiro

914

Filme de Sandra Kogut dialoga com reformas urbanísticas do Rio

Ao pesquisar locações para rodar o filme “Campo Grande”, ambientado em bairros da Zona Sul e do subúrbio carioca, a diretora Sandra Kogut (“Passaporte húngaro” e “Mutum”) levou um susto com as intervenções urbanísticas em andamento no Rio, impulsionadas pela escolha da cidade como um dos palcos da Copa do Mundo, ano passado, e sede dos Jogos Olímpicos, no ano que vem.

— Eu precisava achar os lugares que havia imaginado para o filme, porque a gente já escreve o roteiro com determinada locação na cabeça. E encontrei uma cidade tomada por canteiros de obras. Ir da Zona Sul a Campo Grande era tão complicado quanto ir à China. Às vezes, a gente voltava a um endereço e havia um condomínio novo onde anteriormente não tinha nada. As mudanças na paisagem eram muito rápidas — descreve a diretora carioca.

Em vez de se preocupar com a inconstância do cenário, Sandra identificou um paralelo entre o momento de mutação da cidade e a história de seu novo filme, que terá estreia mundial na mostra Contemporary World Cinema do Festival de Toronto, entre os dias 10 e 20 de setembro. “Campo Grande” se desenvolve em torno do relacionamento entre uma dona de casa de classe média de Ipanema (Carla Ribas) e duas crianças (Ygor Manoel e Rayane do Amaral) deixadas na porta de seu prédio, com seu nome e endereço nas mãos. A chegada inesperada dessas crianças, filhas de uma ex-empregada da casa, e a busca pela mãe delas mudarão a vida de todos.

— As mudanças em nossas referências, sociais, afetivas, íntimas, são uma questão na história do filme. Então, tinha tudo a ver com essa confusão, essa desorientação ocorrendo no Rio por causa das obras. Abraçamos o caos — conta. — Mas o cenário caótico não é um símbolo, uma alegoria. Cheguei às obras por intermédio dos personagens, pelo que acontece na vida deles e que, por acaso, tem a ver com esse momento da cidade e do país.

“Campo Grande” é um dos títulos recentes que, voluntária ou involuntariamente, registraram o processo de modernização que o Rio atravessa — para o bem ou para o mal (veja outros exemplos na lista abaixo). No caso específico do filme de Sandra, as constantes alterações na paisagem, ao longo das oito semanas de filmagem, no ano passado, acabaram servindo ao estilo de trabalho da diretora.

UM NOVO PONTO DE ÔNIBUS NO CAMINHO

Certo dia, a produção colocou um ponto de ônibus cenográfico na Avenida Epitácio Pessoa, na altura do Jardim de Alah, um dos pontos críticos das obras do metrô do Rio. Sandra se distanciou do local por alguns minutos para trabalhar com os atores e, quando voltou, os ônibus já estavam deixando passageiros no ponto falso. Em outro momento das filmagens, um figurante vestido como policial foi procurado por transeuntes à procura de informações, e até para denunciar assaltos na região.

— As transformações eram tão constantes que ninguém duvidou de um ponto novo surgido de um dia para o outro naquele trecho — lembra Sandra, que busca interferir o mínimo possível nas locações. — Costumo trabalhar nessa fronteira entre a ficção e o documental. Não gosto nem de fechar ruas para poder filmar. Também peço para a produção não me informar quem é figurante e quem não é. É um processo de trabalho que faz sentido especialmente neste filme, porque faz parte da história.

O embrião de “Campo Grande” começou a crescer ainda durante as filmagens de “Mutum”, o longa de ficção anterior de Sandra, inspirado no romance “Campo geral”, de Guimarães Rosa, e exibido nos festivais de Cannes (2007) e Berlim (2008). Em uma das sequências mais dramáticas da trama, a personagem vivida por Izadora Fernandes Silveira dá o filho para um desconhecido criar, acreditando que assim o menino terá uma oportunidade melhor de vida.

PUBLICIDADE

— É uma demonstração de amor incondicional. Foi a cena muito emocionante, a mais difícil de fazer de todo o filme. Aquilo ficou na minha cabeça, porque já ouvimos muitas histórias parecidas. Fiquei pensando no que acontece com uma criação depois de uma separação como essa — lembra Sandra, que tem dois filhos, uma de 7 e outro de 11 anos. — O desejo de falar sobre o tema amadureceu aos poucos. Anos depois, quando já morava em Nova York, comecei a vir ao Rio e fazer pesquisas sobre o tema, em orfanatos e abrigos para menores. Entrevistei assistentes sociais, e aos poucos “Campo Grande” tomou forma.

OUTROS EXEMPLOS A CAMINHO

“Pequeno dicionário amoroso 2”

O novo Museu da Imagem do Som, em Copacabana, ainda em construção, é uma das locações do filme de Sandra Werneck e Mauro Farias. É o único da lista com estreia já prevista: 10 de setembro.

“Se essa vila não fosse minha”

O documentário de Felipe Pena dá voz aos moradores da favela Vila Autódromo, que resistiram à remoção para construção do Parque Olímpico Rio 2016.

“A morte de J.P. Cuenca»

Estreia na direção do escritor João Paulo Cuenca, é uma história de suspense inspirada em um personagem real, homônimo do autor, e ambientado no Rio em reformas.

“Um filme francês”

PUBLICIDADE

O produtor e diretor Cavi Borges estreia na ficção homenageando a nouvelle vague francesa com cenas rodadas em Laranjeiras e outros bairros da Zona Sul.

“Crônica da demolição”

Dirigido por Eduardo Ades, o filme lembra dois momentos de reformulação da paisagem do Rio, nos anos 1900 e na década de 1970, quando o Palácio Monroe foi demolido.

 

O Globo

También podría gustarte