‘Ela Volta na Quinta’: retrato de una familia común de Belo Horizonte

1.025

No debate após a premiere internacional de Ela na Volta na Quinta, no festival FID, em Marseille, uma senhora francesa pediu a palavra e, emocionada, disse ter se visto na tela. “Eu olhei aquilo e pensei ‘cara, esse filme feito em Contagem, com os pais do André, se comunicou com essa mulher, do sul da França, que tem toda uma história de vida’. Alguma coisa tocou dentro dela”, relembra o produtor Thiago Macêdo Correia.

O causo serve bem para mostrar que classificar o primeiro longa de André Novais Oliveira como um filme “de nicho” pode ser uma definição preguiçosa.

Sim, o formato de Ela Volta Na Quinta foge do convencional. Tem uma linguagem naturalista levada ao extremo, conversas soltas como fluxos de pensamento sem script pré-definido ao pé da letra e um casal de meia-idade em crise, que nunca chega a um embate em cena, daqueles repletos de frases de efeito e troca de acusações.

Criado na periferia da grande Belo Horizonte, no município de Contagem, o cineasta faz da sensação de estar à margem dos grandes acontecimentos sua assinatura artística. Seu olhar está fora do que seriam as curvas dramáticas e pontos de virada de um roteiro convencional, e concentrado justamente nos pontos periféricos do que seria uma narrativa padrão.

É voltado para aquilo que, de tão cotidiano, costuma passar batido em situações de crise conjugal: a ansiedade melancólica dos filhos diante da perspectiva da separação dos pais, o casal que dorme na mesma cama mas já não divide mais o cobertor, a vida que segue com as tarefas do dia-a-dia, como o conserto de uma geladeira. Nada é apressado, é é daí que vem muito de sua beleza. Afinal, para a maioria das pessoas os dias não passam em ritmo de videoclipe.

“Nem sempre as crises passam por questões muito dramáticas. Às vezes uma crise pode ser bem silenciosa, até escondida”, explica André, que escalou seus pais, irmão, cunhada e namorada para atuarem, todos com seus nomes verdadeiros mantidos nos personagens, recurso que usou também nos curtas Quintal (2015) e Pouco Mais de Um Mês (2013), ambos exibidos em Cannes e com passagens premiadas por festivais no Brasil e no mundo.

Por tratar tudo em família, ser filmado na casa onde Seo Norberto e Dona Maria José realmente moram, e também pelo registro extremamente intimista, Ela Volta na Quinta tem sido considerado mais um exemplo das produções recentes que misturam as fronteiras entre ficção e documentário, como Castanha (2014), de Davi Pretto, e Olmo e a Gaivota (2015), de Petra Costa e Lea Glob.

Thiago e André, no entanto, rechaçam a comparação. “Eu prefiro tratar o filme como ficção. Foi pensado e filmado desta forma. Acho que não há necessidade de discutir o que é ou não realidade”, afirma André. Para Thiago, o fato de parte do público chegar a acreditar que está vendo um documentário é um elogio: “Acaba sendo um mérito da direção que não interfere o tempo todo, e sinal de que as pessoas embarcam na história”.

Mais consciente é a escolha que André, ele próprio um realizador negro, faz ao decidir quem são os protagonistas de seu longa. “Minha intenção é colocar o negro como alguém que vive normalmente. Sem a questão da violência ou do tráfico de drogas, que geralmente é como é retratado no cinema brasileiro e até no cinema mundial”, defende.

“Algumas pessoas não entendem o quanto é político isso, no sentido que é uma forma de acostumar o olhar das pessoas de que o negro da periferia também vive em harmonia. Isso está em Ela Volta na Quinta e provavelmente estará em projetos meus no futuro”.

Este é o primeiro título da produtora mineira Filmes de Plástico (que além de André e Thiago também tem como sócios os diretores Gabriel Martins e Maurilio Martins) a chegar no circuito comercial, o que gera uma expectativa diferente. Criada em 2009 como uma ação entre amigos, onde todos colaboram e revezam funções nos projetos dos outros, a produtora é presença constante em festivais que dão preferência a obras mais autorais e inovadoras, como Brasília e Tiradentes.

Agora vivem uma experiência que ainda não conheciam. Lidam com contratos de distribuição, dão mais entrevistas, leem críticas nem sempre favoráveis, participam de debates abertos a um público mais amplo e pré-estreias e sessões especiais – só em São Paulo foram duas, nos dias que antecederam a estreia, na quinta (25).

“Nesse processo a gente acaba revisitando e redescobrindo coisas, a partir da interpretação das pessoas que conversam com a gente”, relata André, empolgado com essa espécie de renascimento do longa, que já roda festivais desde 2014, tendo sido premiado em vários deles, como o Panorama Internacional Coisa de Cinema, Semana dos Realizadores e o Olhar de Cinema, em Curitiba.

E o que mais surpreende o diretor nestas reações? “O carisma dos meus pais. Eu amo meus pais, e fui ter uma visão diferente deles depois do filme. Não sabia o tanto que eles eram carismáticos para as pessoas, isso é muito doido”.

Publicado en Carta Capital

‘Ela Volta na Quinta’ expõe as fissuras de um casamento

Pode-se gostar dele ou não, mas é impossível negar originalidade ao cinema de André Novais Oliveira. Ele tem frequentado muito as mostras que privilegiam o cinema independente, como as de Tiradentes e Brasília e tornou-se também queridinho de boa parte da crítica.

Inovador, sem perder a ternura, Novais faz um tipo de arte que se poderia chamar de autorreferencial. Ou, como andou na moda nos últimos tempos, pratica autoficção. Mas sem idolatrias narcísicas. Pauta-se, ao contrário, pela modéstia, sem que isso seja pejorativo.

Sua vida, ele mesmo, seus parentes e amigos compõem seu material de trabalho. No curta Em Pouco Mais de Um Mês, o próprio André e sua namorada estão na tela para interpretar o início de uma relação, suas dúvidas, seu encantamento e inibições.

Agora, em Ela Volta na Quinta, é o desgaste de um velho relacionamento que está em pauta. E quem são os personagens? Ninguém menos que o pai e a mãe de André. Norberto e Zezé sentem as fissuras nesse casamento de mais de 30 anos, mas não se decidem a romper o vínculo. Têm os filhos, o próprio cineasta e seu irmão. Estes também mostram estágios diferentes dos próprios relacionamentos amorosos. A mulher de André deseja mudar de apartamento, mas ele não se sente em condições de fazê-lo. Renato, seu irmão, quer casar e ter filhos com a atual namorada. Ambos também conversam sobre a situação dos pais. E, à maneira dos jovens, logo descartam o assunto, como se não quisessem se chatear com ele.

O estilo do filme é de um naturalismo suave. Como se a proposta, ao fazer os personagens reais falarem de si (não necessariamente histórias «reais»), fosse aproximar o cinema de um registro vívido do transcurso da vida comum. André fala de si, da namorada, dos pais. Um viver de classe média, existências marcadas pelas dificuldades do dia a dia, preocupações normais, como as que todo mundo tem. Os «atores» não interpretam. Não se vê neles qualquer intenção de teatralizar cenas. Eles passam diante da câmera como se apenas repetissem atos e situações com os quais estão acostumados. Vivem e representam as coisas do dia a dia, típicas de uma família mineira como tantas outras.

E, no entanto, em meio a esse despojamento, o cineasta mostra sensibilidade para introduzir a nota do poético no cotidiano. Quando, por exemplo, aparece Roberto Carlos cantando na TV e o casal em crise aproveita a música conhecida e se põe a dançar na sala de visitas. E, se os dois cogitam se separar, sempre há tempo para discutir aquelas coisas que todo casal discute – é preciso fazer uma obra na casa, levantar uma parede, mas quem se atreve a pensar nisso, àquela altura do campeonato? Sim, qualquer que seja a crise, é preciso manter a casa em pé, em funcionamento. Pensar no futuro talvez seja a forma mais prática de pensar que, talvez, a ruptura não seja inevitável. Essa retórica do «prático» pode ser a maneira mais contida encontrada pelo filme de dizer «eu te amo». Uma poética da discrição. Bem à moda mineira, no fundo.

Publicado en Diário do Grande ABC

Todos los tiempos felices

Ella vuelve el jueves comienza con una serie de fotografías familiares de tiempos felices, y deviene en una historia familiar que se (re)construye a lo largo de la película. Porque para el espectador ciertos trazos sueltos, ciertas nociones apenas vistas o intuidas, van tejiendo una historia que permitir entender la relación familiar intensa y afectuosa en la misma medida que la trama avanza.

Los padres, un matrimonio de 35 años, tienen una relación tan tradicional, tan cotidiana, tan propia del cariño y de los tiempos, que ni siquiera se nota la crisis profunda que atraviesan. Esta se develará en una charla entre el padre y su hijo, sentados en una calle, un día cualquiera. Es que la vida y las largas charlas entre padres e hijo o entre los esposos o entre los hermanos, son siempre una charla cualquiera en una tarde cualquiera. Y la vida familiar, de afectos, dificultades y desencuentros circula silenciosamente en el medio de las mismas.

Más allá de esta suerte de minimalismo familiar, dos elementos son claves para comprender esta película: el primero es el espacio físico y social que supone la vida en los márgenes de Belo Horizonte; el segundo es la música, ya como protagonista de las acciones –porque ellos todos están de un modo u otro vinculados a este arte- ya como modo de registro contextual o contrapuntístico. La música y la ciudad narran también, como espacio vital de los protagonistas, los lugares propios de la felicidad.

Porque lo que concluye esta bella e inteligente película, es que en definitiva no son los instantes sino la vida en su conjunto, lo que definen la felicidad en cada momento.

Porque en definitiva la felicidad es también esa tarde en que tres generaciones de la familia pasan sentados juntos, en un pequeño apartamento, mirando apenas un partido de futbol en el televisor.

Publicado en Nodal Cultura
También podría gustarte