El rapero bahiano

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Baco Exu do Blues, o homem que colocou o rap baiano no 1º plano

Por Pedro Alexandre Sanches

Um garotinho negro afirma que quer ser médico quando crescer. Um jovem negro corre a toda a velocidade, ofegante, aparentemente fugindo de algo ou de alguém. Entra a voz do jovem rapper baiano Baco Exu do Blues, de 23 anos, que fala em nome de todo um gênero musical, o blues: “Eu sou o primeiro ritmo a formar pretos ricos/ o primeiro ritmo que tornou pretos livres”. Baco Exu do Blues, codinome de Diogo Moncorvo, assume nessas palavras ser o blues (a tristeza?) em pessoa. O curta-metragem Bluesman desenvolve-se por dez minutos, complexo e cheio de alçapões em música e imagem.

O vídeo convenceu o júri do Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions, que deu ao rapper o grande prêmio na categoria entretenimento para música, empatado com o vídeo de This Is America, de Childish Gambino, uma cortante discussão sobre o racismo nos Estados Unidos. O jovem artista baiano, autor de versos como tá tudo confuso como meus sonhos eróticos com a Beyoncé/ me desculpa, Jay-Z, queria ser você/ minha vida tá chata, quero enriquecer (de Me Desculpa Jay-Z), ganhou justamente o prêmio que poderia ter sido do casal de estrelas negras formado por Beyoncé e Jay-Z, que concorria com o vídeo de Apeshit, gravado no Museu do Louvre, em Paris. Bluesman é uma cortante discussão sobre o racismo no Brasil. “Esta é a primeira fresta a se abrir”, avalia Baco, enquanto almoça carne no restaurante Sujinho, no Centro de São Paulo, onde tem morado ultimamente. “Você pode conseguir aumentar essa fresta ou deixar ela aí e daqui a pouco ela se fechar”, divaga o jovem que afirma almejar fama e reconhecimento mundiais.

Assista a Bluesman aqui:

Diogo é filho de um Brasil que alargou horizontes nas duas primeiras décadas do século XXI e hoje vê a funkeira Anitta fazer sucesso internacional, inclusive participando de uma canção pop no disco de Madonna, e tem filmes nacionais como A Vida Invisível de Eurídice Gusmão (de Karim Aïnouz) e Bacurau (de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles) premiados na mesma cidade europeia onde Baco triunfou. Ele não estava presente, porque não tem passaporte e nunca saiu do Brasil. Quer fazer sucesso mundial em português. Diz que seu diferencial é ter nascido numa família de classe média, de mãe branca professora de literatura e pai negro professor de tai chi chuan (que morreu quando ele tinha 7 anos).

Baco Exu conta que sempre encontra pessoas que veneravam seu pai: “Sempre foi muito isso, em todos os encontros que eu tinha com quem conheceu meu pai. Eram encontros que me pesavam até as costas, porque era como se eu fosse filho do ser humano mais fantástico e correto do mundo, e na época eu não era nada, era só um garoto perdido. Era como se as pessoas me comparassem a essa imagem intocável do cara que salvava vidas e que entregava a vida para os outros de diversas formas”.

A memória pesou-lhe nas costas, mas se fez referencial também. “A autoridade máxima dentro da casa, tanto para as pessoas da família quanto para os discípulos de fora, era um homem negro.” As coisas mudaram quando Diogo começou a frequentar colégios particulares (foi expulso de vários) e viu-se como único ou um dos únicos negros em meio a uma população branca. “Mudou o ambiente e eu sofria de diversos lados, de diversas formas, e não entendia por que estava sofrendo. Digo que acabei virando rebelde sem causa. Mas existia uma causa. Eu só não entendia qual era.” E complementa, apontando o encontro da causa da rebeldia: “Por que eu era tão expulso? Eu não era o problema, mas estava num ambiente onde não era aceito, então, obviamente, os problemas iam cair  em mim. Era a falta de conseguir me comunicar, tá ligado? Eu tentava me comunicar e me embolava. Tinha coisas importantes pra falar, queria que as pessoas entendessem, e as pessoas não entendiam, e eu ficava indignado. E aí comecei a escrever”.

Na reflexão sobre esse difícil lugar no mundo nasceu, primeiro, o poeta, influenciado pela mãe e, em seguida, o rapper, que em 2016 atraiu atenções com um rap provocativo em dupla com o pernambucano Diomedes Chinaski, chamado Sulicídio, em que os parceiros criticavam a supremacia dos rappers do eixo Rio-São Paulo e exigiam respeito aos rappers do Nordeste. A canção rendeu também atenção negativa, devido aos versos homofóbicos pelos quais Baco logo pediu desculpas. Apesar dos percalços, foi um passo a mais para o reconhecimento de toda uma leva de rappers fora do eixo, que hoje somam pernambucanos, baianos (como O Quadro e Larissa Luz), cearenses (Don L, Nego Gallo), mineiros (Djonga) etc.

Filho de mãe branca e pai negro, professores, Baco é agora reverenciado mundialmente

Em 2017, Baco debutou com o álbum Esú, ainda mais provocativo que Sulicídio. O título, Esú, estabelece conexão direta entre Exu e Jesus, na reivindicação de um Jesus Cristo negro que contemple mais que a sempre contemplada sociedade branca. Entre as faixas do disco misturaram-se referências à literatura (Capitães da Areia) e ao cinema (A Pele Que Habito), que o segundo álbum, Bluesman (2018), ampliaria em raps denominados Minotauro de Borges ou Girassóis de Van Gogh. A essa altura, o público de Baco já era uma multidão, em shows sempre lotados nos quais a plateia canta em uníssono seus intrincados versos.

Baco Exu do Blues diferenciou-se dos rappers que o antecederam por encontrar terreno fértil para compreender os porquês do racismo, do machismo, da homofobia. Eu sou dos poucos que não escondem o que sentem, canta em Bluesman. “Quando você fala de racismo, fala de masculinidade tóxica de uma forma visceral. Ela destrói você de diversas formas, nos seus relacionamentos. Eu chutaria que a masculinidade tóxica, para o homem negro, é páreo a páreo com os motivos de depressão, juntamente com o racismo. Por ter depressão e por ter depressão dentro de um relacionamento, fui entendendo isso pouco a pouco, e como me atingia.”

Eis outro diferencial do jovem artista: ele gosta de falar abertamente sobre suas dificuldades psicológicas. “Eu vejo como uma parte da minha vida. A depressão é tipo um amigo que você não tem certeza se é seu amigo. Você pensa: esse cara pode me passar a perna qualquer dia, mas é aquela pessoa que é muito próxima e, se passar a perna em você, vai te derrubar de verdade. É uma coisa que me faz escrever muito. Quando tenho minhas crises, meu Deus do céu, viro o poeta maior do mundo”. O encadeamento lógico leva a outras conclusões de grande monta: “Todo jovem negro sofre racismo quando é criança. Se teve um gatilho para a depressão, muito provavelmente a gente já sabe qual foi o motivo desse gatilho.” Toda pessoa negra sofre de depressão, ele acredita.

A fonte do sucesso é outro elemento de incessante indagação para Diogo. Eu sou o preto mais odiado que você vai ver, canta em Kanye West da Bahia (2018). “O dinheiro não legitima a gente. Essa falsa sensação de que o dinheiro compra o respeito das pessoas brancas é mentira”, afirma. “Vai chegar um momento que você não é querido nem pelos seus nem pelos outros. Para os brancos, você está no lugar deles, e as pessoas brancas não querem que você esteja ali. E os negros vão olhar pra você e dizer: ‘Ah, ele agora só está no lugar de branco, ele perdeu a essência dele’. Todo mundo quer chegar no lugar onde você está, e você não mostrar que está mal. E qual é a forma mais prática de você mostrar pras pessoas que não sente a dor? Tendo tênis caro, roupa boa, saindo pra festa cara que todo mundo queria ir. Se você vê, a gente está numa corrida de rato numa rodinha de hamster.”

Minotauro de Borges incide em cheio sobre essas reflexões: Negro correndo da polícia com tênis caro/ tipo Usain Bolt de Puma não paro/ correndo mais que os carros/ eu não fui feito do barro/ pisando no céu enquanto eles se perguntam, ‘como esse negro não cai?’/ dizem que o céu é o limite/ eles se perguntam: ‘por que esse negro não cai?’ 

Diogo segue em frente, equilibrando-se entre os sentimentos negativos e os positivos. No vídeo premiado de Bluesman, o jovem negro corre sem parar, ao longo de 11 minutos. Em nossos pensamentos racistas, nos induzimos a pensar que ele foge da polícia. Na cena final vem a revelação: estava atrasado para a aula de música. Eles querem um preto com arma pra cima/ num clipe na favela gritando ‘cocaína’/ querem que nossa pele seja a pele do crime, canta Bluesman. Baco Exu do Blues entrega o contrário do que o racismo e a depressão esperam dele.

Carta Capital

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