Los cambios de la década

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Projeto registra cultura popular há 10 anos e expõe as transformações do meio

Por Augusto Diniz

Idealizador Betão Aguiar vê tradições se globalizarem e preocupa-se com ‘encolhimento’ de grupos de expressão cultural

As pesquisas de investigação musical começaram em 2007, mas foi em 2010 que foi feito o primeiro registro oficial de um importante projeto que resultou em 28 CDs de 54 tipos de expressão cultural, envolvendo 123 mestres (que são os que detém o conhecimento ancestral da tradição) e grupos pelo país afora.

O seu idealizador, o produtor e músico Betão Aguiar comemora o projeto, de nome Mestres Navegantes, diz ver interferência da globalização na cultura popular, o que não é necessariamente algo ruim pois abre possibilidades de divulgação, mas preocupa-se, por outro lado, com a diminuição dessas manifestações.

“Vejo nos grupos e nos mestres a interferência direta da internet, e as dificuldades de manterem os jovens interessados em aprender, a cantar, a dançar. Quer queira ou não o digital traz muito atrativo, todo mundo tem um celular e quer ficar vendo o mundo externo”, diz Betão.

“Mas há também o lado saudável. Parece que eles pularam do século XIX para o XXI. Saíram do universo rural e de repente tem mestres fazendo live, proporcionando encontros pela internet”, afirma, ressaltando que isso dá acesso à arte popular, os jovens ajudam a divulgar nas redes sociais e todo mundo, no fim, entende a importância.

Outro aspecto observado por Betão nesses dez anos é como os grupos foram mudando de sonoridade. “Eles estão vendo outras coisas acontecendo e isso impacta diretamente no que querem fazer para soar mais alto, na rua. Isso é a cultura viva”, diz, considerando que é necessário entender essas transformações.

Pen drive

Desde que o projeto começou a registrar as manifestações populares, o produtor explica que ele sempre teve em mente dois pilares de atuação: entregar o material registrado aos personagens do projeto e torná-lo acessível por meio da internet.

O processo de transmissão do que foi captado pelo projeto dos grupos e mestres de cultura popular também sofreu transformação. “A gente entregava 400, 500 CDs para cada grupo para eles venderem, para divulgarem. Desde o primeiro projeto, percebi que tinha grupos que davam mais valor ao CD e outros menos”.

Segundo Betão Aguiar, para alguns a venda do disco físico ajudava o grupo a renovar suas vestimentas e até para comer. Outros achavam que tinha que dar os CDs.

“Nos últimos anos, o impacto de entregar uma caixa de discos (do registro do grupo) era menor. As vezes chegava com CDs e o DVDs e eles queriam ver o DVD primeiro”. No total, o Mestres Navegantes distribuiu 64.800 CDs e 1.000 DVDs.

Isso demonstra como o CD físico tem perdido espaço e a linguagem audiovisual sobreposto a isso, embora desde o começo o projeto tivesse uso de vídeo no trabalho. “O último registro, por exemplo, a gente começou a entregar tudo em pen drive. O material bruto inteiro. Todas as faixas gravadas além das usadas para a edição”.

Esses aspectos têm levado Betão Aguiar a repensar o projeto para se adaptar à efetividade.

“A minha régua de ir mudando é a deles e não do mercado. Fico olhando o que eles tão precisando”, ressalta. “Ir para o digital sem perder a essência. Essas músicas que os mestres produzem não vieram do show business, mas de um lugar ancestral, da relação familiar, da colheita no campo, da questão religiosa”, cita.

“Não sei o que vai ser o futuro. Está tudo em transformação. A pandemia mudou muita coisa. A gente pensa em abrir o projeto para podcasts, para webséries. Mas nunca deixar de fazer as playlists, os álbuns, para que se mantenham esses registros”.

Outro ponto que ele observou nessa década foi a quantidade de grupo extinto, mestre que faleceu e a família não deu continuidade à manifestação.

“A extinção vem acontecendo gradativamente. A cultura popular não morre, mas a gente vê o enfraquecimento. Mas também vi muito grupo querendo registrar. Existe muita gente boa fazendo trabalho bom. É preciso dar continuidade a isso para que a próxima geração possa ouvir. É um Brasil muito rico de pouca visibilidade”, comenta.

“Com o momento político que vivemos o risco de extinção dessas manifestações é maior. A gente vai precisar ir a campo.”

Novo álbum e vídeos

O projeto Mestres Navegante, que tem patrocínios da Natura Musical e do Governo da Bahia (por meio do Fazcultura), teve até o momento seis edições, envolvendo manifestações de São Luiz do Paraitinga (SP), Cariri (CE), Pará e Bahia, totalizando 28 CDs – a última edição foi lançada ano passado contendo sete CDs envolvendo grupos da Bahia (três de candomblé, dois de capoeira e dois de chegança, como é chamada a marujada baiana).

Todos esses registros estão agora disponíveis nas plataformas de streaming de música. Por certo, um dos maiores acervos de cultura popular do país na internet.

Recentemente, foi lançado pelo projeto, somente no formato digital, o álbum Mescla BR, com sete faixas de releituras por artistas contemporâneos de músicas escolhidas entre as seis edições já lançadas pelo projeto.

São elas: Seu Pastinha (Mestre Curió e Mahal Pita), Bendito de Entrada (Penitentes do Sítio Cabeceiras e Strobo), Um Doce (Congada Mirim de Ilhabela e Curumin e Ze Nigro), Forró do Remoído (Banda Pife de Carcará e Felipe Cordeiro e Klaus Sena), Cantiga para Oxum 2 (Ilê Axé Alaketu Oya Funan e Junix11 e MayHD), Ladainha (Comitiva de São Benedito de Bragança e Pio Lobato) e Cantigas para Iansã (Ilê Axé Alaketu Oya Funan e Raffa Muñoz).

“É o encontro da ancestralidade com atmosferas da música moderna”, resume Betão.

Outro trabalho que foi lançado pelo projeto esses dias foi mais um vídeo, o Chegança, no jardim das belas flores, dirigido por Betão Aguiar e Bruno Graziano, que trata de grupos de marujada de Arembepe (Chegança Feminina) e Saubara (Mouros Barca Nova Feminina), na Bahia. Ao contrário dos 18 vídeos anteriores do projeto, que variavam de 5 a 7 minutos, este tem mais de 20 minutos. E tem um longa-metragem a caminho, que seria o 20º vídeo do projeto.

“A gente ia fazer um curta, mas chegamos lá e fomos surpreendidos pelos grupos querendo se abrir. Quando visitamos, parecia que estavam nos convidando para um caminho mais profundo”, conta Betão, que filmou antes e durante o carnaval de Salvador desse ano três blocos de origem de terreiro: Ilê Aiyê, Bankoma e o Cortejo Afro.

“As pessoas conhecem os blocos do carnaval, mas pouco o movimento negro que está por trás, dos fundamentos. Quando começamos a gravar, veio muito forte deles esse conteúdo que está a flor da pele hoje, que tem a ver com a negritude, com o racismo. Todos os personagens são negros”.

O longa-metragem que captou não somente a folia, mas a profundidade de preparação para o carnaval e ensaios, ainda não está disponível ao público em geral porque irá ainda percorrer o circuito dos festivais.

Betão Aguiar é filho de Paulinho Boca de Cantor. É também compositor e baixista e acompanha Arnaldo Antunes, entre outros artistas do primeiro time da MPB.

Carta Capital

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