No a la censura

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Peça com Jesus trans volta a festival pernambucano

A peça «O Evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu» vai voltar a integrar a programação oficial do Festival de Inverno de Garanhuns (FIG) 2018. A decisão foi tomada, no fim da noite desta quinta-feira, pela Secretaria Estadual de Cultura de Pernambuco e pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe). Em nota, elas informam que «o dia, hora e local da apresentação serão informados nesta sexta-feira, até o final da manhã, após tratativas com os produtores do monólogo».

No dia 1º de julho, o Governo do Estado de Pernambuco, por meio da Secretaria de Cultura e Fundarpe, decidiu cancelar a apresentação do monólogo na Mostra de Teatro Alternativa do festival. O espetáculo, protagonizado pela atriz transexual Renata Carvalho, foi proibido de ser apresentado no festival pernambucano por ordem do prefeito Izaías Régis (PTB), após tentativas de proibições em cidades como Jundiaí (SP), Salvador (BA) e Porto Alegre (RS), e no Rio, por ação do prefeito Marcelo Crivella (PRB).

Regis procurou o secretário estadual de Cultura, Marcelino Granja, e solicitou a retirada da peça da programação do evento. Diante da negativa, o prefeito disse que não iria ceder o Centro Cultural de Garanhuns para a apresentação. E o governo do estado acabou retirando «O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu» da programação. Selecionada pela comissão curatorial do FIG, a peça também desagradou a Câmara Municipal e a Diocese de Garanhuns, que endossaram a decisão.

Até o fim da quinta-feira, o governo de Pernambuco ainda aguardava que a Justiça analisasse um pedido de reconsideração da decisão de obrigar a reinclusão do espetáculo na programação do festival para se manifestar. Mas, por volta das 22h, o Tribunal de Justiça do estado divulgou nota informando que o desembargador Silvio Neves Baptista Filho reiterou a reinserção da peça no prazo de 24 horas, contadas a partir das 10h32m desta quinta, horário em que o estado acatou a intimação judicial.

Segundo a nota, como o festival será encerrado neste sábado, há «tempo mais do que suficiente para ‘encaixar’ e promover o espetáculo» dentro do evento. O desembargador lembra que a «estrutura Festival de Inverno de Garanhuns se apresenta grandiosa capaz de receber o espetáculo teatral; não deve ser considerado dispêndio financeiro desnecessário ao custeio da peça com dinheiro público, pois, o espetáculo já teria sido escolhido para fazer parte da programação; e, em se tratando do suposto risco à segurança coletiva e à ordem pública, ressalte-se que o Estado de Pernambuco, utilizando-se de forças de segurança, garante a incolumidade das pessoas em grandes eventos, a exemplo do carnaval, do São João e de grandes jogos».

Se não recolocasse «O Evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu» de volta à grade do festival, o estado de Pernambuco teria que arcar com uma multa de R$ 50 mil. Uma liminar concedida na última terça-feira pelo desembargador Silvio Neves Baptista Filho, após o Ministério Público de Pernambuco (MP-PE) entrar com recurso, dava 24 horas a partir da intimação dos organizadores para que isso acontecesse. E, segundo o TJ-PE, a Procuradoria do Estado foi intimada eletronicamente na manhã de quinta-feira.

Na liminar, o desembargador afirmou que o monólogo estimula reflexão sobre discriminação a minorias. «A atração nada mais é do que um drama teatral, que busca conscientizar e estimular a reflexão sobre a discriminação social de uma minoria, especialmente das transexuais e travestis», escreveu.

O MPPE havia ingressado com uma ação civil pública, requerendo a condenação do estado e do município pela prática de discriminação «contra a população homoafetiva, especialmente transexuais, e da violação do seu dever de garantidores de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, condenando-os ao pagamento de indenização por danos morais coletivos a sar revertida em campanhas contra a discriminação da população homoafetiva, especialmente dos transexuais».

Segundo o MPPE, a «defesa do direito difuso a um Estado e a um Município garantidores de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, como previso pelo constituinte já no preâmbulo da Constituição Federal, e que não se submetam a qualquer tipo de discriminação».

A apresentação estava prevista para esta quinta-feira, às 23h, e seria destinada ao público adulto. O MPPE requereu que estas características sejam mantidas.

A polêmica em torno da censura da peça esquentou na terça-feira, com as críticas do prefeito Izaías Régis à cantora Daniela Mercury, que se apresentou sábado passado no festival e se posicionou contra a retirada do espetáculo da programação. Em entrevista a um portal, ele afirmou que a baiana «desrespeitou o município» pernambucano. “Não tenho nada contra pessoas trans e LGBT, não sou homofóbico, mas o limite de respeito tem que existir, não pode incentivar crianças e adolescentes», disse o prefeito ao portal Leiajá. Ainda ao site, ele disse que «a família cristã de Garanhuns pede a mim que não permita a peça no Centro Cultural, e não vou permitir».

O Globo


Após censura, O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu será encenado nesta sexta

Por Marina Simões

Artistas se unem em uma rede de solidariedade a favor da peça O evangelho segundo Jesus, rainha do céu, protagonizado pela atriz e mulher trans Renata Carvalho, que foi retirada da programação do Festival de Inverno de Garanhuns (FIG). Para combater a transfobia e a censura, o espetáculo foi abraçado por um grupo que criou a campanha A liberdade TRANSforma, encabeçado por Rodrigo Dourado e Chico Ludermir. A peça será encenada em duas sessões nesta sexta-feira (27), em local ainda não divulgado, no município do Agreste pernambucano. Vítimas de ataques nas redes sociais, a organização vai manter o local em sigilo, revelando no dia do evento para as pessoas que compraram ingresso antecipados. Um esquema de segurança também será reforçado.

O espetáculo convidado para a 28ª edição do FIG integrava o debate proposto pelo tema-homenagem do FIG: Um viva à liberdade. Após exigência do prefeito da cidade, Izaías Régis (PTB), que se mostrou contrário à apresentação e carta enviada pela Diocese de Garanhuns, onde o bispo Dom Paulo Jackson ameaçava “proibir que a Igreja Catedral fosse utilizada como um dos palcos do festival”, a produção foi retirada da programação. A peça é um monólogo e traz histórias bíblicas sob a perspectiva contemporânea. O texto é de Jo Clifford, traduzido e dirigido por Natalia Mallo, e já foi encenado no Recife, dentro do Trema! Festival.

Os artistas que fizeram parte do primeiro fim de semana do FIG ampliaram o debate e defenderam a liberdade de expressão. A cantora Daniela Mecury fez discurso ao subir no Palco Mestre Dominguinhos, beijou a esposa e se mostrou indignada com a polêmica. “Não me venha agora com ignorância de conceituar o que é arte e o que não é arte. Censurar uma peça de teatro por convicções religiosas é um absurdo e isso não pode ser permitido. A nossa Constituição não é a Bíblia”, afirmou.

O cantor Lirinha, do Cordel do Fogo Encantado, também homenageou Renata, dedicando a música Liberdade, a filha do vento para a atriz. “O perigo de atitudes como essa é que repercute quase que como incentivo à intolerância e ao ódio. Em todos os palcos do FIG os artistas estão empenhados para que a liberdade se cumpra. Quando a gente vê que os direitos básicos estão entrando em um retrocesso de usurpação e quando temos que lutar contra um ato ilegal de um gestor público”, defende Roger de Renor, que assina curadoria do Som na Rural, palco instalado no Parque Euclides Dourado.

Ataques

Nas redes sociais, as publicações sobre o espetáculo O evangelho segundo Jesus, rainha do céu, receberam diversas ameaças. “As ameaças vão desde ‘vamos fazer protestos’, a ‘vou dar pauladas’, ‘meter o tiro’, entre outras. Esse tipo de linguagem de ódio vem de pessoas que se intitulam em defesa da religião. É uma coisa muito agressiva e perigosa”, aponta a diretora Natalia Mallo. “A gente está preocupado e assustado. As pessoas não têm vergonha de usar seus perfis pessoais dizendo que vão bater, matar e crucificar. E essas ameaças vêm em nome de Deus”, comenta um dos articuladores do espetáculo em Garanhuns, Chico Ludermir.

Segundo os organizadores, cerca de 40 ameaças foram protocoladas na delegacia e no Ministério Público. “A cidade precisa discutir o tema. Os ataques se intensificam quando políticos endossam esse preconceito”, explica Chico. No sábado, o coletivo A liberdade TRANSforma vai promover roda de diálogo com a Comunidade LGBT de Garanhuns, no Parque Euclides Dourado, para discutir temas como a censura e o combate à transfobia. “As pessoas colocadas à margem não vão mais se calar e não aceitam ser silenciadas e censuradas”, completa Chico.

Perguntas // Natalia Mallo, diretora

Com a confirmação da apresentação do espetáculo, o que você espera?
Espero uma grande movimentação, mas a prioridade é que o trabalho aconteça e seja visto. Se fala em questões religiosas, de censura e de opressão. Mas queremos divulgar a peça. É uma obra artísticas pela representatividade trans e tem muitas qualidades. O texto é baseado em uma mensagem de humanidade, proteção da vida e de como coletivamente é possível pensar em um mundo igualitário. A peça sonha com isso, perdoa a todos, é fundamentalmente cristã. Sem falar na interpretação de Renata, que é fantástica. Esses ataques vêm escancarar todo o preconceito. Eu aproveito e faço esse convite para quem critica: vem ver qual a ofensa na peça, qual a ofensa em ser travesti? Do nosso ponto de vista, não há nenhum.

Vocês temem retaliação?
Vai ter um esquema de segurança e revista do público. A gente não gosta disso, mas vamos revistar o público para proteger a integridade da atriz. Quem não concordar não vai poder assistir. Também temos um grupo, um verdadeiro escudo humano, uma rede de proteção, que se mobilizou para estar no local.

Diario de Pernambuco

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