Espero tu (re)vuelta
Não era pelos 20 centavos
Por Eduardo Nunomura
Espero Tua (Re)Volta, de Eliza Capai, explica como chegamos ao Brasil de hoje, pela ótica de três secundaristas dos movimentos de 2013
“Não tenho uma verdade única, mas no mínimo três, e tento me comunicar fora de nossas bolhas para explicar por que chegamos até aqui”, diz Eliza Capai, em entrevista a CartaCapital. Ela se refere a Lucas Penteado, o Koka, a Nayara Souza e a Marcela Jesus. São eles que, de maneira bem estudantil, iniciam a narrativa como em uma assembleia, onde cada um terá cinco minutos para expor suas ideias.
A uma fala quase inocente e ligeiramente apolítica, à bolsominion, de Koka, que chega a afirmar que faltou “pulso firme” a Dilma Rousseff, a líder estudantil Nayara reivindica seu tempo e deixa claros os novos tempos.
Ela lembra que o documentário falará de uma época em que havia a primeira presidenta eleita no Brasil, em que as principais lideranças dos movimentos de secundaristas eram mulheres e em que um dos principais slogans das ocupações foi “lute como uma garota”. Marcela é mais pé no chão: “Tem gente que tem mais, tem gente que tem menos. Isso me revolta pra caralho (…) Por que eu tenho que lutar pela minha escola, sendo que esse é um direito meu?”
Com cenas inéditas da ocupação da Assembleia Legislativa de São Paulo e dos estudantes nas ruas em 2017 e 2018, Eliza Capai também precisou ir atrás de imagens de documentaristas e midiativistas que registraram, ao lado dos estudantes, as manifestações a partir de 2013, incluindo o material bruto com bastidores da ocupação de mais de 200 escolas na gestão do tucano Geraldo Alckmin.
As cenas dentro das escolas, nas ocupações, são verdadeiras aulas de política. No trabalho de edição, Eliza recorreu a um tratamento de cores que buscou harmonizar todas as cenas, dando uniformidade à história ‒ apenas nos créditos finais se saberá quem filmou o quê.
A solução uniu os fios que estavam soltos e desencapados desde os protestos dos autonomistas do Movimento Passe Livre (MPL), em 2013, criando curtos-circuitos constantes entre estudantes e Polícia Militar.
Mais do que isso, permitiu acrescentar algumas explicações sobre a onda reacionária que tomou conta do País, logo após a saída do MPL das ruas. É simbólica a cena com um típico “brasileiro do bem” protestando contra secundaristas que bloqueavam a Marginal Tietê, sob o argumento simplista: “Eu estou pagando imposto muito alto, abre essa porra aí!”
Os narradores eram “tudo pivete, tudo criança” no início do movimento, admitem os jovens. Mas cinco anos e alguns meses depois, já mais maduros, eles recontam como mudaram de protagonistas de uma vitória histórica do movimento estudantil a jovens abandonados à própria sorte e tendo de enfrentar a resposta truculenta da direita no Brasil, que veio a seguir.
Eliza faz questão de registrar o voto de Bolsonaro no impeachment de Dilma, e também mostra como o golpe parlamentar tinha pretensões maiores de abortar um processo de transformação da sociedade. Para isso, a cineasta exemplifica com a figura de Alexandre de Moraes, então secretário de Segurança Pública de Alckmin, que foi chefe da pasta da Justiça no governo Temer e hoje é ministro do Supremo Tribunal Federal.
Foi o secretário Moraes que comandou a reação violenta da PM contra os jovens que, depois das ocupações das escolas, protestavam contra o escândalo das merendas.
“A eleição de Bolsonaro fecha uma curva. Durante o corte do filme, percebemos que batíamos muito no Alckmin”, lembra Eliza, entre surpresa e resignada com o fato de o presidenciável tucano, que alguns imaginavam que teria chances de se eleger, ter ficado com menos de 5% de votos. “Este filme é uma reflexão no calor do momento, no segundo mês do governo de Bolsonaro.” A cineasta ouviu dezenas de secundaristas e não se surpreende que alguns dos que estiveram nas ocupações das escolas certamente tenham votado no candidato vencedor.
Cada um dos três personagens do documentário traz à tona narrativas paralelas, como o racismo, o feminismo e a questão de classes, temas que estavam e estão em disputa na sociedade. A jovem Nayara lembra que, tendo ou não a Escola Sem Partido, a educação que recebe não diz como se organizar, questionar ou mudar a sociedade.
“Imagine se tivesse aula de resistência pacífica, de Black Bloc, de revolução, de liberdades, de lutas políticas do nosso povo?”, indaga.
Marcela lembra que a sua mãe não concluiu o Fundamental e ela foi a primeira de casa a terminar o Ensino Médio, embora receba o mesmo salário mínimo que a avó, analfabeta e diarista. Koka apenas ri, de nervoso a conformado, quando um amigo é flagrado pelas lentes de Eliza recebendo uma batida policial. Jovens negros e pobres têm de andar com cópias de notas fiscais de bicicleta para provar que não a roubaram, explica.
Eliza Capai afirma que só assinou contrato com a Globo Filmes e o GloboNews, que são coprodutores, depois de consultar os “meninos” e ouvir deles que era preciso “ocupar tudo, ocupar a grande mídia”.
Ela pôde, assim, acessar o acervo da emissora e recorrer a algumas imagens não editadas. A cineasta sabia que, entre as pautas centrais de 2013 a 2018, a imprensa era um dos temas nevrálgicos, e o olhar dos secundaristas nunca foi dócil para com a emissora. “Então tive de usar a inteligência e discutir os grandes temas, além dos gritos de guerra. Mas como debater mídia? Quando os três jovens discutem o tema da imparcialidade, eles estão falando disso”, diz.
Os temas sociais são a pauta favorita de Eliza Capai, que já assinou direção e roteiro de 15 curtas-metragens e quatro séries para tevê. Ela discutiu a questão feminina no seu primeiro longa, Tão Longe É Aqui (2013), a partir de uma viagem que fez à África.
No segundo, O Jabuti e a Anta (2016), trata das hidrelétricas na Amazônia tomando por base depoimentos de ribeirinhos e povos indígenas. Neste, a interpretação da realidade foi feita sob o olhar dos estudantes. E é Koka que, sempre que bombas de gás lacrimogêneo eram lançadas contra os secundaristas no filme, lembra ironicamente que cada uma delas custa mais de 500 merendas. Em uma hora e meia de duração do documentário, descobrimos que o equivalente a 13.225 merendas foi explodidas pelo governo tucano.